Como a nova lei anticorrupção pode afetar investigações
Emendas a projeto de lei contra a corrupção aprovadas pela Câmara são alvo de críticas por atrapalharem e inibirem o trabalho de juízes e agentes do Ministério Público. Entenda o que preveem as principais medidas.
Entre as mais criticadas emendas ao projeto de lei anticorrupção (PL 4850/16), aprovado nesta quarta-feira (30/11) pela Câmara, estão as que preveem punições rígidas relacionadas à atuação de magistrados e membros do Ministério Público (MP).
O projeto de lei anticorrupção surgiu por uma iniciativa do próprio MP, que, durante o início das investigações da Operação Lava Jato, começou a elaborar sugestões de medidas em forma de lei para punir melhor casos de corrupção no país.
O projeto, que contou com apoio de mais de 2,3 milhões de assinaturas, teve seu sentido original desfigurado quando passou pela votação na Câmara. As principais mudanças aprovadas atingem, ironicamente, quem ajudou a criar o projeto.
A alteração mais criticada pelos juristas é a emenda apresentada pelo deputado Wéverton Rocha (PDT-MA), que pune com multa e detenção de até dois anos magistrados e membros do MP por abuso de autoridade.
As autoridades públicas, como juízes e policiais, já estão sujeitas a punições por abuso de poder. Trata-se de uma lei de 1960, que estabelece como abusos crimes como quebra de sigilo de correspondência e da inviolabilidade domiciliar.
Na opinião dos juristas, a nova versão do projeto inclui pontos pouco claros e abre margem para interpretações subjetivas. De acordo com o texto, atuar de forma negligente e ofender a "honra" do cargo passam a ser crimes de abuso de autoridade.
"O texto não define o que significa ofender a dignidade de um cargo ou que ato pode ser interpretado como negligência", alerta a procuradora da República Janice Ascari, que atuou em diversas investigações de corrupção, como a do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, condenado em 2006 pelo desvio de 169 milhões de reais.
Dos 513 deputados, 313 votaram a favor da emenda. Em linhas gerais, de acordo com a nova versão do projeto, torna-se crime para magistrados (como juízes e desembargadores) atuar com motivação político-partidária, ser negligente no exercício de sua profissão, agir contra a "honra" do cargo, exercer atividade empresarial, expressar opinião a veículos de comunicação sobre processos em julgamento, entre outros.
"Indícios mínimos"
Além desses "abusos de autoridade", para membros do MP, especificamente, a emenda estabelece como crimes de abuso de autoridade entrar com uma ação contra um acusado motivado por má fé ou instaurar uma denúncia sem "indícios mínimos" da prática do crime cometido.
Para Ascari, esta última medida é incoerente com o próprio sistema processual, que não exige provas cabais para o início de uma ação penal, apenas indícios (de autoria e materialidade).
"O tempo de julgamento serve justamente para coletar as provas", afirma. Segundo a procuradora, outro ponto "absurdo" da nova versão do projeto é o que permite a acusados que forem inocentados ao final de um julgamento processar os juízes por danos morais e materiais.
"Que incentivo ou segurança um membro do MP terá para iniciar uma investigação de um grande esquema de corrupção?", questiona a procuradora. De acordo com a nova versão do projeto, caso seja provado que uma ação civil pública (para crimes contra o interesse coletivo) teve motivação de perseguição política ou finalidade de promoção pessoal, o magistrado poderá ser condenado a até dois anos de prisão, além do pagamento de indenização ao denunciado.
"Perderemos a segurança das nossas próprias prerrogativas", afirma Ascari.
Violação de prerrogativa de advogados
Outra emenda que inibe a atuação dos magistrados e agentes do MP foi a apresentada pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MS), recebendo apoio de 285 deputados. A medida torna crime que juízes, promotores e delegados violem as prerrogativas dos advogado.
A punição é de detenção de um a dois anos, além de multa. As prerrogativas dos advogados englobam uma série de garantias, previstas na lei, que foram criadas para assegurar o trabalho destes profissionais na defesa de um investigado.
Um exemplo de prerrogativa dos advogados é poder conversar com um cliente preso, ainda que ele esteja proibido de receber visitas. Na leitura de Ascari, se um advogado se sentir desacatado por um juiz (não pode haver hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do MP), o profissional pode vir a ser preso.
"Eles querem proteger prerrogativas só dos advogados. Se um advogado violar as prerrogativas de um membro do MP ou do Judiciário, essa seria apenas uma falta disciplinar", afirma a procuradora.
Repúdio à nova versão da lei anticorrupção
Segundo Ascari, a sanção do projeto de lei anticorrupção (como foi aprovado pela Câmara) comprometeria investigações de todas as esferas, em todo o país. "Esse bloco de leis aprovado pelos deputados tem como objetivo diminuir o trabalho de juízes e procuradores, e dificultar as investigações", afirma.
"Os parlamentares que aprovaram essas medidas não representaram os interesses da população. Agiram em causa própria." As emendas ao projeto foram bastante criticadas por juristas. Os investigadores da Lava Jato chegaram a ameaçar abandonar a operação caso a nova versão do projeto seja sancionada.
A Procuradoria-Geral da República declarou que o resultado do parecer da Câmara colocou o "país em marcha à ré no combate à corrupção". A presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, a ministra Cármen Lúcia, também lamentou as emendas publicamente: "Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá calar a Justiça."
O novo projeto da lei anticorrupção segue agora para apreciação no Senado. Os senadores podem apresentar novas emendas ou derrubar as aprovadas pela Câmara.
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