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É possível perder a cidadania brasileira?

Claudia Cristina Sobral Hoerig vivia no Brasil havia mais de dez anos; agora, está presa nos EUA  - Getty Images
Claudia Cristina Sobral Hoerig vivia no Brasil havia mais de dez anos; agora, está presa nos EUA Imagem: Getty Images

Renata Galf

20/02/2018 10h29

Caso de mulher que, apesar de ter nascido no Rio e ter pais brasileiros, perdeu o passaporte e foi entregue aos EUA chamou a atenção para a questão da dupla cidadania, um território jurídico nebuloso

A resposta é sim. Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro e ser filha de pais brasileiros, Cláudia Cristina Hoerig não é mais considerada brasileira e foi entregue pelo Brasil aos Estados Unidos em 17 de janeiro passado, para ser julgada pelo homicídio do ex-marido, o americano Karl Hoerig.

A notícia alarmou muitos brasileiros que obtiveram nacionalidades de outros países. No entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), Cláudia se tornou cidadã dos Estados Unidos ao se naturalizar no país voluntariamente e, por isso, perdeu a nacionalidade brasileira.

A Constituição brasileira de 1988 prevê que brasileiros natos que tenham adquirido outra nacionalidade podem perder a nacionalidade brasileira, independentemente de terem cometido crimes no exterior, como foi o caso de Claudia.

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A perda de nacionalidade, no entanto, não se dá de forma automática. Para que isso aconteça com brasileiros natos, é preciso que o Ministério da Justiça brasileiro instaure um processo de perda de nacionalidade.

Mas isso não acontece com frequência, em parte devido à falta de um sistema de troca de informações entre órgãos consulares de outros países e o Brasil quanto a brasileiros que obtenham outras cidadanias.

No caso de Cláudia Hoerig, o Ministério da Justiça tomou conhecimento da dupla cidadania porque os EUA pediram ao Brasil sua extradição para que ela fosse julgada pela Justiça americana.

Outra possibilidade é que o próprio brasileiro solicite perder sua cidadania brasileira. Para tanto, é preciso enviar um requerimento ao Ministério da Justiça expondo a vontade de perder a nacionalidade e comprovar a aquisição da outra cidadania.

Constituição

Como a perda da nacionalidade pressupõe a abertura de um processo no Ministério da Justiça, o que acontece é que muitos brasileiros que, em tese, poderiam perder a nacionalidade brasileira simplesmente não a perdem porque não há instauração do processo.

Há duas exceções legais que permitem ao brasileiro ter mais de uma nacionalidade. Uma delas é quando a outra cidadania é um direito originário, isso é, devido a laços sanguíneos com seus pais ou antepassados.

Esse é o caso de muitos brasileiros descendentes de portugueses, italianos e alemães e que têm o direito à segunda nacionalidade reconhecida na lei dos respectivos países. Desde que nasceu, a pessoa já tinha direito – por parentesco – a ter outra cidadania.

A outra exceção envolve brasileiros que vivem em um país no qual a aquisição da cidadania é condição para permanência ou para o exercício de direitos civis. Países em que, por exemplo, sem se naturalizar, o brasileiro não poderia morar ou trabalhar.

"A ideia da Constituição é prever uma situação em que a aquisição de uma segunda nacionalidade fosse quase que contra a vontade, que a pessoa fosse quase obrigada a se naturalizar”, diz o professor de Direito Constitucional da USP Pedro Dallari.

No entanto, explica Dallari, a Constituição é vaga quanto a quais direitos civis justificariam a aquisição de uma segunda nacionalidade.

Deixa de ser brasileiro

O defensor público federal na área de migração e refúgio João Chaves explica que, juridicamente, definir se a pessoa optou voluntariamente pela naturalização não é simples.

"É uma questão que depende muito da situação caso a caso”, diz. "Se a pessoa fez isso para não perder direitos, isso deve ser considerado pelo Brasil para não dar como perdida a nacionalidade brasileira.”

A interpretação mais tradicional de direitos civis, segundo Chaves, envolve tanto acesso ao mercado de trabalho como os chamados direitos de liberdade – que incluem, por exemplo, liberdade de opinião, de locomoção e de livre manifestação. Já a interpretação mais moderna da teoria dos direitos humanos inclui também direitos fundamentais como direito à saúde, educação e assistência social, ressalta o defensor público.

Tanto Dallari quanto Chaves relativizam direitos políticos - o que abrangeria a possibilidade de votar e ser votado - como um dos direitos que justificariam o brasileiro ter adquirido outra nacionalidade.

“Caso contrário, a pessoa sempre poderá alegar que se naturalizou para poder exercer direitos civis no país. A nacionalidade de outro país sempre gerará algum direito neste outro país”, justifica Dallari.

O caso Alemanha

Apesar de não impor a naturalização aos estrangeiros que queiram trabalhar ou morar em seu território, a Alemanha prevê em sua Constituição determinados direitos civis exclusivos ao cidadão alemão.

Por isso, segundo a advogada com escritório na Alemanha Laís Brandão Machado Malkmus, "essa regra deve ser vista como sendo não uma obrigação legal, mas uma situação em que o brasileiro na Alemanha é tratado diferente de como é tratado um alemão e por isso se sente obrigado a se tornar alemão para exercer os mesmos direitos civis”.

Seguindo esse entendimento, os brasileiros residentes na Alemanha cairiam na segunda exceção à perda de nacionalidade prevista no texto constitucional brasileiro, em que a aquisição da cidadania do outro país passa a ser condição para permanência ou para o exercício de direitos civis.

Pela lei alemã, estrangeiros que – entre outras condições – morem há pelo menos oito anos na Alemanha (há exceções que podem encurtar esse tempo) passam a ter o direito à nacionalidade do país. Uma dessas condições é abdicar de sua nacionalidade originária.

No entanto, tal obrigação não se aplica mais aos brasileiros, porque a Alemanha incluiu o Brasil na lista de exceções a esta regra.

Segundo o Ministério do Interior da Alemanha, a regra aplicada em relação ao Brasil é de que "brasileiros que vivem na Alemanha e se naturalizam aqui, em princípio, não são liberados pelo Brasil de sua nacionalidade brasileira".

De acordo com Laís Brandão, desde 2002, os órgãos consulares brasileiros na Alemanha passaram a negar a perda da nacionalidade aos brasileiros que faziam tal solicitação ao adquirir a cidadania alemã.

Desde que o Brasil passou a fazer parte da lista da Alemanha de países que não permitem a revogação de cidadania original, o brasileiro que se naturaliza no país não precisa mais solicitar a perda de sua nacionalidade brasileira ao se naturalizar alemão.