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Quem é o novo presidente de Cuba?

Amir Valle (rk)

19/04/2018 12h14

Tido como defensor fiel de uma revolução que ele não lutou, Díaz-Canel é parte de uma estratégia do próprio Raúl Castro. Sua eleição é mais uma imposição do que uma escolha - e os sinais de mudança são poucos.Proclamado novo presidente de Cuba pelo Parlamento nesta quinta-feira (19/04), Miguel Díaz-Canel é "el hombre", dizem os cubanos na ilha: por sua proximidade com o povo; pelo impacto deixado no período como primeiro secretário do partido na região de Villa Clara; e sua ativa presença como vice-presidente nas catástrofes seguidas a furacões como o Matthew, em 2016, e em importantes eventos internacionais. Tudo isso, parte da estratégia de Raúl Castro para estabelecê-lo como o candidato "ideal" à frente do país que, pela primeira vez em quase seis décadas, não terá um presidente com o sobrenome Castro.

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Essa escolha, que, como diz a oposição, foi "a dedo", se confirmou quando, nas eleições gerais mais recentes da Assembleia Nacional, Díaz-Canel obteve 92,85% dos votos ao cargo de deputado. Foi somente superado pelo próprio Raúl, que foi eleito deputado por 98,77% dos delegados.

No interior da ilha, aqueles que seguem a linha de reformar o socialismo cubano a partir das instituições políticas apostam em Díaz-Canel como o "homem da mudança" parecem não saber que seu poder real será limitado: no plano político, porque Raúl Castro continuará à frente do Partido Comunista até 2021 (ou até que sua saúde permita). O partido governista é o órgão que rege a sociedade cubana, segundo está estabelecido pela Constituição.

No plano militar, a limitação vem por causa do controle exercido atualmente por Alejandro Castro Espín, filho de Raúl Castro, sobre o setor e sobre os serviços de inteligência e segurança nacional. E, no plano econômico, o monopólio do grupo Gaesa, que domina quase toda a economia varejista e o turismo, também ata as mãos do pupilo de Raúl. Ao mesmo tempo, a oposição na ilha e no exílio considera Miguel Díaz-Canel uma simples marionete.

Mesmo que a maioria dos cubanos o considere "o eleito" para esta nova etapa na qual Cuba entrará após o fim da era Castro, nos últimos anos Díaz-Canel vem demonstrando estar disposto a servir à revolução com uma fidelidade absoluta.

Seus 57 anos, seu porte atlético e uma histrionice minuciosamente estudada nos momentos em que se aproxima do povo fazem com que muitos cubanos digam desse ex-professor universitário que ele "é um cara bacana"; que "é um homem carinhosos com a esposa"; que "até toma uns goles de rum com o pessoal simples do povo"; e até que, no contexto das últimas tendências esportivas em Cuba, "foi quem decidiu transmitir as partidas de futebol ao vivo na televisão" e que é "torcedor fanático" do Barcelona.

Para muitos, porém, Díaz-Canel é apenas uma figura decorativa de uma estrutura ideológica e política que, segundo garantem, dará continuidade à herança de Fidel e Raúl.

Curiosamente, Raúl Castro deixa a presidência nesta quinta-feira, 19 de abril, data histórica para a ilha – pois foi este o dia da derrota dos EUA na fracassada invasão da Baía dos Porcos, em 1961. O acontecimento é considerado, pelo governo cubano, "a primeira derrota do imperialismo na América".

Mas a data também deverá ser histórica para Díaz-Canel, que completa 58 anos nesta sexta-feira (20/04), dia em que já acordará como o primeiro presidente do que grande parte dos analistas políticos está chamando de "era neocastrista".

A ideologia do chamado "neocastrismo" é o dinheiro. Mesmo assim, durante a consolidação dessa nova corrente na "era raulista", simulou-se um apego fanático à ideologia do "fidelismo". Fazendo regredir várias das mais importantes "aberturas" com as quais Raúl Castro tentou maquiar a face obscura da Revolução para o mundo, utilizou-se as estratégias propagandísticas e de repressão tradicionais do castrismo como plataforma para manter o apoio dos setores mais conservadores do governo e dos partidários fidelistas do povo.

Uma peça fundamental dessa nova estratégia foi a figura de Díaz-Canel exercendo suas funções como vice-presidente, cargo ao qual ascendeu por sua proximidade a Raúl numa carreira meteórica que o levou de segundo secretário da União de Jovens Comunistas, em 1990, a primeiro secretário do Partido nas províncias de Villa Clara (1994) e de Holguín (2003). Dali, passou a ministro da Educação Superior em 2009 e à vice-presidência de Cuba em 2013.

Sua atuação e seus discursos dos últimos tempos mostram que, uma vez consolidada a ascensão dos neocastristas a quem ele serve, as metas de Díaz-Canel como futuro presidente deverão ser manter a mão de ferro, a ausência de diálogo com a oposição e a tática de enfrentamento com os EUA que caracterizou o mandato de Fidel Castro.

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