O êxodo venezuelano
Estima-se que 2,3 milhões de venezuelanos tenham virado as costas para sua terra natal, o que vem gerando cada vez mais crises humanitárias em países vizinhos. Para especialistas, um problema a ser resolvido em conjunto.Nos últimos dias, tanto os venezuelanos que abandonaram seu país como os que permanecem no território vivenciaram a piora de sua já calamitosa situação. Na sexta-feira (17/08), o presidente Nicolás Maduro anunciou um aumento sem precedentes do preço da gasolina e oficializou um processo de reconversão monetária com pretensões anti-inflacionárias cujas sequelas ainda são desconhecidas.
Um dia depois, o Equador começou a exigir passaportes aos refugiados venezuelanos como condição para permitir a entrada deles no país – mesmo sabendo que, atualmente, o Estado venezuelano não tem capacidade para dar a seus cidadãos esse documento.
No domingo (19/08), o Peru seguiu o exemplo de Quito e aumentou assim a pressão sobre a Colômbia, para onde cada vez mais venezuelanos fogem "buscando uma vida melhor", já que não podem rumar para o sul.
No mesmo dia, habitantes de Pacaraima, localidade de 12 mil pessoas no norte de Roraima, destruíram um acampamento de imigrantes venezuelanos, obrigando mais de mil a fugirem de volta para o país vizinho do Brasil.
A agência das Nações Unidas para refugiados, Acnur, sinalizou que incidentes como o de Roraima também estão sendo registrados em outros países da região e advertiu que a crise humanitária venezuelana poderia gerar tensões em toda a América do Sul.
A ONU calcula que 2,3 milhões de mulheres e homens afetados por todo tipo de penúria viraram as costas para a sua terra natal.
Desde o início de 2017, cerca de 50 mil venezuelanos se estabeleceram em Roraima, segundo o governo estadual. Entre 547 mil e 560 mil passaram pelo Equador no último ano, com o objetivo de chegar ao Peru e ao Chile. Apenas 20% deles permaneceram em território equatoriano, segundo estimativas da Organização Internacional para as Migrações (OIM). O Peru é a nação latino-americana que mais acolheu venezuelanos, depois da Colômbia, que já abriu suas portas a 1,5 milhão de pessoas. Aproximadamente 35 mil venezuelanos cruzam a fronteira diariamente.
A Usaid, a agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, ofereceu 6 milhões de dólares para que o novo governante em Bogotá, Iván Duque, dê assistência aos venezuelanos que chegam à Colômbia fugindo de condições de vida precárias.
Até agora, 32 dos 56 milhões de dólares desembolsados pela agência com esse objetivo na América Latina tiveram a Colômbia como destino. O auxílio não chega diretamente à Venezuela porque a elite chavista se nega a admitir a gravidade dos problemas e percebe as ofertas de socorro humanitário como fachadas para a intervenção militar estrangeira qeu alguns de seus opositores pedem aos gritos.
De fato, na segunda-feira (20/08), quando o Pentágono confirmou que seu navio-hospital USNS Comfort ancoraria diante do litoral colombiano para atender a refugiados venezuelanos num futuro próximo, alguns analistas comentaram inquietos as possíveis implicações do fato de a chegada do navio americano ao Caribe coincidir com a do navio-hospital chinês He Ping Fang Zhou, que navegará as mesmas águas com destino à Venezuela em breve.
"É problemático que potências em discórdia e com interesses tão diferentes assumam a mesma posição diante de uma questão como a venezuelana, sem coordenar suas ações", comenta o cientista político e historiador Sebastian Huhn, do instituto de pesquisas de migração Imis, da Universidade de Osnabrück, na Alemanha.
"Mesmo que os navios-hospitais não cumpram uma função bélica, podem se transformar na vanguarda de manobras militares se houver registro de algum incidente. Basta que um navio-hospital se aproxime demais das águas territoriais de um determinado país, por exemplo, para que soem os alarmes.
O ideal seria que essa ajuda humanitária viesse das Nações Unidas, ou que os Estados Unidos e a China a oferecessem por meio da ONU e não de forma unilateral", avalia também Thomas Fischer, professor de História da América Latina na Universidade de Eichstätt-Ingolstadt e presidente da Associação Alemã de Pesquisa sobre a América Latina (Adlaf, na sigla em alemão).
Günther Maihold, vice-diretor do instituto berlinense de estudos de política externa SWP, não enxerga um risco de confronto entre as frotas humanitárias enviadas por Washington e Pequim à Colômbia e à Venezuela, respectivamente.
"Não acredito que a presença simultânea desses navios no Caribe crie fricções diplomáticas. São gestos de boa vontade dos Estados Unidos e da China para com seus aliados na América Latina, nada mais. O auxílio que podem prestar é muito limitado, quase simbólico, dadas as dimensões do fenômeno migratório em questão e os fatores estruturais que o estimulam", diz o pesquisador.
Para Maihold, o que o navio-hospital dos Estados Unidos procura é evitar que um número maior de venezuelanos voe a Miami em busca de refúgio. Já para Fischer, o propósito da embarcação chinesa é evidenciar como os interesses geopolíticos no norte da América do Sul são importantes para Pequim. Os três especialistas concordam que apenas esforços conjuntos podem frear a atual sangria da Venezuela.
"A pergunta básica para os países latino-americanos e para os organismos multilaterais da região é como conseguir, juntos, que os venezuelanos deixem de emigrar tão intensamente, sabendo que não contarão com a colaboração do governo de Nicolás Maduro, que se recusa a reconhecer que seu projeto de país afundou", argumenta Huhn, da Universidade de Osnabrück.
"Equador e Peru podem escolher fechar suas fronteiras, mas isso não deterá o fluxo de imigrantes venezuelanos. Eles continuarão se vendo forçados a fugir de seu país porque a vida lá é simplesmente insuportável", descreve o analista.
"O endurecimento dos controles fronteiriços no Equador e no Peru vai criar uma constelação espinhosa para a Colômbia, país onde ficará estacionado um bom número de imigrantes venezuelanos. Mas, no final, toda a vizinhança latino-americana sentira os efeitos do êxodo venezuelano se seus países continuarem se mostrando incapazes de elaborar uma política humanitária conjunta", prevê Maihold, do SWP.
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Um dia depois, o Equador começou a exigir passaportes aos refugiados venezuelanos como condição para permitir a entrada deles no país – mesmo sabendo que, atualmente, o Estado venezuelano não tem capacidade para dar a seus cidadãos esse documento.
No domingo (19/08), o Peru seguiu o exemplo de Quito e aumentou assim a pressão sobre a Colômbia, para onde cada vez mais venezuelanos fogem "buscando uma vida melhor", já que não podem rumar para o sul.
No mesmo dia, habitantes de Pacaraima, localidade de 12 mil pessoas no norte de Roraima, destruíram um acampamento de imigrantes venezuelanos, obrigando mais de mil a fugirem de volta para o país vizinho do Brasil.
A agência das Nações Unidas para refugiados, Acnur, sinalizou que incidentes como o de Roraima também estão sendo registrados em outros países da região e advertiu que a crise humanitária venezuelana poderia gerar tensões em toda a América do Sul.
A ONU calcula que 2,3 milhões de mulheres e homens afetados por todo tipo de penúria viraram as costas para a sua terra natal.
Desde o início de 2017, cerca de 50 mil venezuelanos se estabeleceram em Roraima, segundo o governo estadual. Entre 547 mil e 560 mil passaram pelo Equador no último ano, com o objetivo de chegar ao Peru e ao Chile. Apenas 20% deles permaneceram em território equatoriano, segundo estimativas da Organização Internacional para as Migrações (OIM). O Peru é a nação latino-americana que mais acolheu venezuelanos, depois da Colômbia, que já abriu suas portas a 1,5 milhão de pessoas. Aproximadamente 35 mil venezuelanos cruzam a fronteira diariamente.
A Usaid, a agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, ofereceu 6 milhões de dólares para que o novo governante em Bogotá, Iván Duque, dê assistência aos venezuelanos que chegam à Colômbia fugindo de condições de vida precárias.
Até agora, 32 dos 56 milhões de dólares desembolsados pela agência com esse objetivo na América Latina tiveram a Colômbia como destino. O auxílio não chega diretamente à Venezuela porque a elite chavista se nega a admitir a gravidade dos problemas e percebe as ofertas de socorro humanitário como fachadas para a intervenção militar estrangeira qeu alguns de seus opositores pedem aos gritos.
De fato, na segunda-feira (20/08), quando o Pentágono confirmou que seu navio-hospital USNS Comfort ancoraria diante do litoral colombiano para atender a refugiados venezuelanos num futuro próximo, alguns analistas comentaram inquietos as possíveis implicações do fato de a chegada do navio americano ao Caribe coincidir com a do navio-hospital chinês He Ping Fang Zhou, que navegará as mesmas águas com destino à Venezuela em breve.
"É problemático que potências em discórdia e com interesses tão diferentes assumam a mesma posição diante de uma questão como a venezuelana, sem coordenar suas ações", comenta o cientista político e historiador Sebastian Huhn, do instituto de pesquisas de migração Imis, da Universidade de Osnabrück, na Alemanha.
"Mesmo que os navios-hospitais não cumpram uma função bélica, podem se transformar na vanguarda de manobras militares se houver registro de algum incidente. Basta que um navio-hospital se aproxime demais das águas territoriais de um determinado país, por exemplo, para que soem os alarmes.
O ideal seria que essa ajuda humanitária viesse das Nações Unidas, ou que os Estados Unidos e a China a oferecessem por meio da ONU e não de forma unilateral", avalia também Thomas Fischer, professor de História da América Latina na Universidade de Eichstätt-Ingolstadt e presidente da Associação Alemã de Pesquisa sobre a América Latina (Adlaf, na sigla em alemão).
Günther Maihold, vice-diretor do instituto berlinense de estudos de política externa SWP, não enxerga um risco de confronto entre as frotas humanitárias enviadas por Washington e Pequim à Colômbia e à Venezuela, respectivamente.
"Não acredito que a presença simultânea desses navios no Caribe crie fricções diplomáticas. São gestos de boa vontade dos Estados Unidos e da China para com seus aliados na América Latina, nada mais. O auxílio que podem prestar é muito limitado, quase simbólico, dadas as dimensões do fenômeno migratório em questão e os fatores estruturais que o estimulam", diz o pesquisador.
Para Maihold, o que o navio-hospital dos Estados Unidos procura é evitar que um número maior de venezuelanos voe a Miami em busca de refúgio. Já para Fischer, o propósito da embarcação chinesa é evidenciar como os interesses geopolíticos no norte da América do Sul são importantes para Pequim. Os três especialistas concordam que apenas esforços conjuntos podem frear a atual sangria da Venezuela.
"A pergunta básica para os países latino-americanos e para os organismos multilaterais da região é como conseguir, juntos, que os venezuelanos deixem de emigrar tão intensamente, sabendo que não contarão com a colaboração do governo de Nicolás Maduro, que se recusa a reconhecer que seu projeto de país afundou", argumenta Huhn, da Universidade de Osnabrück.
"Equador e Peru podem escolher fechar suas fronteiras, mas isso não deterá o fluxo de imigrantes venezuelanos. Eles continuarão se vendo forçados a fugir de seu país porque a vida lá é simplesmente insuportável", descreve o analista.
"O endurecimento dos controles fronteiriços no Equador e no Peru vai criar uma constelação espinhosa para a Colômbia, país onde ficará estacionado um bom número de imigrantes venezuelanos. Mas, no final, toda a vizinhança latino-americana sentira os efeitos do êxodo venezuelano se seus países continuarem se mostrando incapazes de elaborar uma política humanitária conjunta", prevê Maihold, do SWP.
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