Conflitos e superstição dificultam combate a ebola no Congo
Como se não bastassem as dificuldades inerentes de conter a 10ª epidemia da febre hemorrágica na região, equipes médicas estão expostas a atentados. Desconfiança e crenças locais também são obstáculo.Devido aos ataques continuados a colaboradores e centros de tratamento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) adverte contra o perigo de uma epidemia no leste da República Democrática do Congo: se as milícias não suspenderem suas ofensivas, é improvável que o surto da febre hemorrágica nas províncias de Nordkivu e Ituri possa ser contido. Ambas não ficam distantes das fronteiras com Ruanda e Uganda.
Na instável região de conflito, em que estão ativos numerosos grupos armados, 1.600 pessoas já contraíram ebola. Apesar da grande mobilização humanitária, recentemente aumentou o número de contágios e óbitos: 1.147 já morreram em consequência da doença, comunicou a OMS em seu boletim desta quinta-feira (16/05). Dos óbitos, 68% ocorreram fora dos centros de trânsito instalados pela OMS na região, nos quais são examinados os casos de suspeita do ebola.
Os ataques a voluntários e centros de tratamento ou de trânsito dificultam seriamente o trabalho, relata a organização. "Nós trabalhamos dois dias, e aí já acontece um novo ataque, e os membros da equipe têm que ficar cinco dias em casa. No meio tempo, temos que deixar o campo para o nosso inimigo principal, o vírus do ebola", queixa-se em entrevista à DW Aruna Abedi, coordenador para ebola do Ministério congolês da Saúde.
A luta contra o ebola se torna cada vez mais assimétrica, queixa-se: "Quando não podemos trabalhar cinco dias, o vírus ganha vantagem; a doença nos escapa e temos que correr atrás do tempo perdido. É uma luta muito sofrida."
Recentemente foi incendiado um centro de trânsito na localidade Katwa, na província de Nordkivu, perto da fronteira com Uganda. Em abril, um médico da OMS foi morto num atentado. Na maioria dos casos não ficou claro quem eram os organizadores. Após tais incidentes, em geral a operação humanitária é temporariamente suspensa para reforço das medidas de segurança. Nesse período, o número dos novos contágios volta a subir.
Também o médico Babou Rukengeza, chefe de equipe da organização humanitária Save the Children, ativa em Nordkivu, relata sobre manifestações e tumultos constantes, atrapalhando significativamente o trabalho, sobretudo na cidade de Beni.
"Esses transtornos causam interrupções repetidas do nosso trabalho e atrasos." Em tais circunstâncias, não é de admirar que continuem aumentando os casos de ebola na região, queixa-se. "E na verdade poderíamos muito bem ter o problema do ebola sob controle, se nos deixassem trabalhar decentemente."
Para conter o surto, mais de 110 mil habitantes da região já receberam uma vacina experimental contra a febre hemorrágica, e a OMS aconselhou uma ampliação da campanha de vacinação.
No entanto os serviços de saúde o leste do Congo enfrentam um problema grave: muitos dos habitantes desconfiam dos médicos e equipes humanitárias governamentais, assim como dos medicamentos. Ao que tudo indica, ocorre divulgação intencional de informações falsas.
Explorando as superstições locais, há quem afirme, por exemplo, que os remédios distribuídos nos centros de trânsito são causa de infertilidade e até morte; ou que os médicos e as ONGs não passam de invasores decididos a fazer dinheiro com o ebola. Outros duvidam até mesmo da existência da enfermidade: ela seria uma invenção, ou o trabalho de demônios trazidos de fora da região.
"Muitos acreditam muito mais rapidamente nas informações falsas do que nas corretas, e isso tem consequências", adverte Abedi. Até mesmo políticos se apoiaram em informações falsas para afirmar que o ebola não existe. "Eles também dizem outras coisas, que foi tudo inventado. Às vezes se diz que alguém foi envenenado, ou citam-se outros motivos, ou que foi bruxaria. Mas a doença é real, ela continua matando gente e se alastrando entre a população."
Outro problema, segundo o coordenador do Ministério da Saúde, é que, apesar de os cadáveres serem altamente contagiosos, é difícil impedir as famílias de tocá-los, colocando-se em grave perigo de saúde: "Nós instamos constantemente a que se sigam as medidas de higiene, que se comunique o aparecimento de sintomas e não se toque os mortos. Mas é difícil o povo aceitar isso."
"A negação da doença implica um grande perigo", prossegue Aruna Abedi. "Como diz um ditado: a ignorância é o que acaba com o povo. Por isso tentamos combater essa ignorância entre a população." As equipes médicas mobilizadas para a região de crise pretendem agora integrar mais os chefes de aldeia tradicionais na luta contra o ebola.
O rei Mfumu Difima, um dos principais monarcas tradicionais da República do Congo, reconhece a dificuldade de combater os preconceitos: "Queremos contribuir para convencer o povo a ir se tratar nos centros de tratamento oficiais. Nós dizemos a eles para comunicarem às autoridades todos os casos de doença, mas estamos lutando contra grandes resistências."
Segundo Difima, em especial nas regiões afetadas numerosos espertalhões da política convenceram os cidadãos de que o ebola não passou de um pretexto para adiar as eleições de 30 de dezembro de 2018, de um truque para impedi-los de exercer seu direito ao voto. De fato, poucos dias antes da importante votação, a Comissão Eleitoral decretou sua suspensão nas zonas eleitorais de Beni e arredores e Butembo, por causa da epidemia. A eleição foi retomada lá em 31 de março último.
Além disso, prossegue o rei Mfumu Difima, certos agentes sugerem repetidamente que, em caso de infecções com ebola, em vez de se apresentar aos serviços de saúde oficiais, a população deveria confiar nos médicos tradicionais - os quais são muitas vezes charlatães.
O surto de ebola iniciado em agosto de 2018 é o mais grave desde a devastadora epidemia na África Ocidental, em 2014-15, que fez 11 mil vítimas. Trata-se da décima epidemia conhecida de ebola na República Democrática do Congo. No entanto, todas as anteriores atingiram regiões pacíficas e puderam ser contidas com relativa rapidez.
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