'Cada segundo importa': Brasileiro relata o drama de atuar em resgates na Turquia
Após o recente terremoto devastador que deixou mais de 40 mil mortos na Turquia e na Síria, bombeiros enviados pelo governo brasileiro e também voluntários se deslocaram à região mais afetada para ajudar nos resgates.
Um dos voluntários é o capitão da reserva do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais Leo Farah, que chegou à Turquia em 8 de fevereiro, dois dias após o terremoto, acompanhado de colegas da ONG Humus. A equipe da organização, liderada e fundada por Farah em 2021, atendeu a um chamado da ONU. Os voluntários têm especialização em desastres e técnicas de salvamento e vêm ajudando civis ao coordenar resgates.
Farah, que viveu tragédias marcantes no Brasil, como as de Brumadinho e Mariana, falou com a DW nesta quarta-feira (15) e relatou como têm sido os dias de trabalho em solo turco. Ele e sua equipe estão baseados em Gaziantep, no sudeste do país, perto da fronteira com a Síria.
"A população está em choque. Percebemos uma mistura de dor intensa entre aqueles que perderam algo ou alguém e de colaboração daqueles que queriam contribuir de alguma maneira, inclusive com ajuda à nossa equipe", conta.
"Quando perguntam o motivo de a Humus embarcar para a Turquia sendo que há tantos problemas para resolver no Brasil, respondemos que, se fosse nosso filho embaixo dos escombros, pediríamos que o mundo inteiro atravessasse um oceano para salvá-lo", diz.
DW: Qual a situação mais de uma semana após o terremoto?
Leo Farah: O impacto foi muito grande. Nas conversas com outras equipes voluntárias internacionais há também a impressão de que esse é o maior desastre natural do último século. Estimamos que o número de vítimas irá se aproximar ou até superar os 200 mil.
Vale lembrar que as equipes de resgate têm atuado até o momento com prioridade em localidades em que ainda há sinais de vida, através de equipamentos que identificam sons ou calor. Portanto, à medida que essa janela de sobrevivência estiver se encerrando e os resgates de vítimas fatais se tornarem a prioridade, o número de mortes infelizmente deve aumentar vertiginosamente.
A isso se somam todas as pessoas que vão sofrer as consequências do terremoto por estarem desabrigadas, com frio, fome e dificuldades no atendimento médico.
Quais foram os principais desafios nesses primeiros dias de trabalho?
Para uma associação sem fins lucrativos, uma ONG como a Humus, o primeiro desafio sempre é o deslocamento imediato. Cada segundo importa. Ainda não há uma cooperação ou agilidade para resposta emergencial junto a empresas aéreas, tornando muito elevado o custo de compra de passagens para embarcarmos rapidamente a equipe e equipamentos em voos comerciais. E no caso de um terremoto, os aeroportos e estradas locais também são afetados pela destruição ou pelo aumento do tráfego.
Assim como nós do Brasil, outras equipes de voluntários especializados em resgate também buscam uma forma de acessar a região atingida — que ainda tem com lidar com a população que está querendo ou precisando deixar a área. Certamente há outros desafios, como ter uma equipe capacitada que esteja disponível para a qualquer momento deixar sua família, casa e negócios para embarcar numa missão em que as informações são complexas, e os recursos, muito limitados.
Apesar de ter menos recursos, a vantagem de uma ONG é ter mais agilidade para tomar a decisão de aceitar a missão. Assim que recebeu o alerta da ONU, a equipe da Humus foi a primeira de voluntários especializados do Brasil que chegou à Turquia.
Como a população e as autoridades receberam vocês?
A população está em choque. Num primeiro momento, percebemos uma mistura de dor intensa entre aqueles que perderam algo ou alguém e de colaboração daqueles que queriam contribuir de alguma maneira, inclusive com ajuda à nossa equipe. Por meio das redes sociais, recebemos milhares de mensagens de apoio, inclusive de pessoas se disponibilizando a ir para a área de risco e participar como intérpretes, já que a língua é outra barreira que enfrentamos. Ofereceram carona, abrigo e alimentação.
Apesar de entender que todos deveriam estar mais preparados para um desastre como esse, não acreditamos que algum país do mundo esteja preparado para um acontecimento dessa magnitude. Como é algo que impacta o mundo e necessita da ajuda de todos, a ONU tem um papel fundamental para convocar, integrar e organizar as equipes internacionais, principalmente aquelas que não estão vinculadas a governos.
Como está sendo o trabalho de resgate junto às autoridades?
Atuamos seguindo orientações e pedidos de ajuda da Agência de Gerenciamento de Emergências e Desastres da Turquia, que equivale à Defesa Civil nacional no Brasil. Considerando nossa especialização na localização e nas técnicas de resgate de vítimas, a agência indica onde pode haver pessoas ainda com vida.
Como a área impactada é muito extensa, na maioria das regiões que estivemos vimos muitos moradores e trabalhadores da construção civil que faziam buscas num primeiro momento. Além de arriscarem sua própria vida, essa iniciativa sem o mínimo de conhecimento técnico em resgate pode até prejudicar uma área onde ainda há pessoas vivas. Por exemplo, ao utilizar uma escavadeira pesada sobre os escombros, pode-se fazer pressão e compactar eventuais bolsões de ar.
Aos poucos, percebemos que as forças de segurança do país começaram a ocupar mais áreas no território atingido, ajudando na organização das equipes de resgate e evitando que familiares entrassem em áreas de risco — impedindo que saques e outros episódios de violência aumentassem em meio ao desespero.
Há paralelos entre o drama atual de famílias turcas e o vivido por brasileiros após os desastres de Brumadinho e Mariana?
No desastre com o rompimento da barragem de rejeitos de uma mineradora em Brumadinho, eu ainda era capitão do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais e estava à frente do batalhão que atuava nas buscas e salvamentos. Nossa equipe conseguiu chegar rapidamente de helicóptero, e já sabíamos que o número de vítimas seria muito elevado. Diferentemente de Mariana, quando também chegamos rapidamente e conseguimos tirar mais de 700 pessoas da rota daquele mar de lama.
Na Turquia, sabíamos que deveríamos estar preparados para encontrar muitas vítimas. Mas, diferentemente da lama que ocupa espaços, num terremoto pode haver bolsões de ar entre as estruturas dos prédios e edifícios. Muitos estão danificados, mas não caíram completamente.
Por exemplo, no quinto dia após o terremoto, participamos de uma busca em um local onde verificamos sinais de vida. Após mais de 40 horas de trabalho incansável, encontramos uma grande área, como um porão do edifício, em que havia até água corrente. Lá poderia haver pessoas vivas, mas infelizmente esse não foi o final que encontramos e que gostaríamos de contar.
Vocês têm previsão de deixar a Turquia ou ir para a Síria?
A Humus deslocou um grupo reduzido de profissionais especializado em resgate para o que chamamos de intervenção rápida, visando a principal janela de sobrevivência, de sete a dez dias após um desastre. Essa equipe começou a se preparar algumas horas após o terremoto e deu início a uma longa viagem, partindo de Belo Horizonte e chegando à Turquia dois dias depois.
Desde que chegamos à região onde ocorreu o impacto, temos atuado intensamente em muitas buscas e resgates. Diferentemente de equipes militares e outras com mais recursos, é possível realizar o revezamento de profissionais em turnos para uma jornada mais longa na missão. Dessa forma, nosso planejamento era permanecer uma semana na Turquia. No entanto, devido ao que encontramos, aos muitos pedidos de ajuda e às demonstrações de apoio que recebemos, decidimos estender nossa permanência por mais alguns dias e devemos chegar ao Brasil no próximo fim de semana.
Como brasileiros podem ajudar vítimas do terremoto?
Há muitas organizações independentes responsáveis que já atuam na região e que estão acompanhando de perto qual a maior necessidade a cada momento. Um desastre desperta a solidariedade, principalmente do brasileiro.
Quando perguntam o motivo de a Humus embarcar para a Turquia sendo que há tantos problemas para resolver no Brasil, respondemos que, se fosse nosso filho embaixo dos escombros, pediríamos que o mundo inteiro atravessasse um oceano para salvá-lo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.