Demora na análise de processos de cidadania frustra imigrantes na Alemanha

Demora na análise de processos de cidadania frustra imigrantes na Alemanha - Imigrantes que pleiteiam a cidadania alemã dizem estar desiludidos com processos de cidadania burocráticos e pouco transparentes. Com o aumento do número de requerimentos, temor é de que situação piore.Ao chegar à Alemanha, dez anos atrás, Maria Zadnepryanets se apaixonou pelo país. A desenvolvedora de software ficou impressionada com as liberdades, os serviços públicos e as oportunidades de aprendizado.

Mas hoje, depois de uma batalha de quatro anos contra a burocracia estatal em Berlim, ela se sente uma "cidadã de segunda classe".

"Vim para a Alemanha com uma ideia muito ingênua do que é viver aqui", conta à DW. "Achei que era um lugar justo. Minha expectativa era de que as pessoas seriam tratadas da mesma forma pelo Estado. Essa experiência me passou uma mensagem diferente."

Nos primeiros anos de Alemanha, ela se esforçou para se integrar à sociedade: aprendeu alemão o mais rápido possível, arrumou um bom emprego em um setor moderno e com falta de mão de obra especializada, fincou raízes na capital.

Anos depois, em 2020, Zadnepryanets deu entrada no pedido de naturalização no distrito de Pankow, em Berlim – e ficou meses, depois anos, sem resposta.

Após ter seus emails ignorados, a desenvolvedora procurou um advogado, que sugeriu a ela acionar o órgão público na Justiça. Mas Zadnepryanets não quis ir adiante, optando em vez disso por um caminho que, até bem pouco tempo, era lugar comum na burocracia alemã: a correspondência por fax, que ela começou a enviar a partir do outono de 2022, para qualquer número oficial que encontrasse. "Para escalar meu caso", explica.

A estratégia parece ter surtido algum efeito, porque o órgão público respondeu solicitando mais documentos. Zadnepryanets atendeu às exigências. Depois disso, silêncio.

"O que eu entendia de toda essa história de cidadania é: eu faço minha parte, trabalho, contribuo, aprendo o idioma, me integro [à sociedade] e aí, depois de um certo tempo, eu vou receber a cidadania", afirma. "Sinto que fiz tudo isso, mas aquela parte do acordo [a cidadania] simplesmente não estava acontecendo."

"A burocracia alemã não tem nada de alemã"

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Zadnepryanets não é a única. Muitos trabalhadores qualificados criaram grupos nas redes sociais para compartilhar sua frustração ao lidar com a burocracia alemã. No final de junho, alguns protestaram em frente ao escritório da imigração em Berlim para demandar o "processamento justo e transparente de pedidos de cidadania".

Muitos sentem que só conseguirão dar celeridade aos seus casos se recorrerem à Justiça, acusando as autoridades migratórias de inação – a tal Untätigkeitsklage, que pode ser movida na Alemanha após seis meses sem resposta de um órgão público a um requerimento.

Um dos que recorreu a esse expediente foi Imran Ahmed, cujo nome foi alterado a pedido dele, que teme prejudicar a tramitação do seu caso se revelar sua verdadeira identidade. "A essa altura, perdi a confiança na imparcialidade das autoridades e temo ser punido por compartilhar minha história", explica.

Ahmed, um engenheiro de software vindo do Paquistão, casado e pai de uma criança, deu entrada no pedido de cidadania há três anos, quando completou oito anos vivendo na Alemanha. À época, ele já tinha um mestrado concluído em Darmstadt e um bom emprego.

Após esperar 18 meses por uma resposta, Ahmed foi instado a apresentar novas cópias dos mesmos documentos. "Desde então, nada."

"Sempre quis vir para a Alemanha. Sempre me identifiquei com os hábitos dos alemães: pontualidade, falar as coisas de forma direta, organização", enumera. "Mas a burocracia alemã não é nada alemã. No meu trabalho e em todos os outros lugares, tive a bênção de ver a pontualidade e a organização alemãs. Mas a partir do momento em que você lida com a burocracia, é como se ela tivesse saído de um país do terceiro mundo."

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Frustrado e estressado pela espera, que ele diz ter lhe gerado problemas de saúde, Ahmed escreveu em janeiro deste ano para diversos membros do parlamento estadual de Berlim para perguntar como exatamente os requerimentos de cidadania estavam sendo processados.

Este ano, as autoridades berlinenses mudaram a burocracia numa tentativa de acelerar os processos de naturalização. Com isso, os requerimentos deixaram de tramitar nas 12 subprefeituras e passaram a ser enviados a um escritório central da autoridade estadual de imigração, o LEA (Landesamt für Einwanderung).

Com a mudança, foi derrubada a exigência de uma entrevista prévia presencial, substituída por um questionário online que permite aos requerentes saber se já preenchem os critérios de renda, domínio do idioma e tempo vivido no país.

Laura Neugebauer, dos Verdes, foi a única parlamentar a responder às perguntas de Ahmed. O partido dela, que faz oposição ao governo estadual, fez uma solicitação formal ao LEA. A conclusão: processar os requerimentos de cidadania em ordem cronológica era "quase impossível" para o órgão porque ele estava recebendo os processos das subprefeituras em lotes em papel sem data.

A explicação não soou convincente o bastante para Ahmed: "Parece-me bem improvável."

Uma montanha de pedidos antigos

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Um porta-voz do LEA afirma compreender a frustração dos requerentes, mas pondera que muitos "não entendem" que o órgão herdou uma montanha de 40 mil processos antigos em janeiro deste ano, quando aconteceu a transição. O processo mais antigo seria de 2005.

"É compreensível que eles só vejam seus tempos individuais de espera e o desejo deles de se naturalizar, e com razão colocam isso em primeiro plano", diz o porta-voz, que argumentou ainda que analisar os processos por ordem cronológica seria "ineficiente", já que muitos processos podem estar incompletos, com documentação faltando. "Estamos processando uma montanha de trabalho de vários lados para poder naturalizar o máximo de pessoas possível o mais rápido possível", assegurou.

Adam (nome mudado), do Egito, suspeita que os que pediram a cidadania antes da digitalização dos processos, introduzida no início deste ano, estão sendo preteridos.

Também ele atende a todos os requisitos: tem renda fixa do trabalho como engenheiro em uma grande empresa de telecomunicações alemã, fala bem o idioma e vive no país há tempo suficiente. Mas, após esperar por mais de dois anos, só foi naturalizado depois de entrar com uma ação na Justiça.

Enquanto isso, segue esperando a análise dos processos de sua mulher e três filhos, dois dos quais nasceram na Alemanha. Adam também moveu processos nesses casos, e diz ter gastado mais de 3 mil euros (R$ 18,4 mil).

Ele acusa as autoridades da imigração de ignorarem os requerimentos protocolados em papel. "Tem gente que deu entrada online e está recebendo a cidadania em dois ou três meses", afirma.

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Berlim quer dobrar taxa de naturalização

A ministra de Berlim para o Interior, Iris Spranger, disse que o estado quer dobrar o número de naturalizações por ano, chegando a 20 mil. O LEA afirma estar a caminho de bater essa meta em 2024, mas pondera que ainda existem 40 mil processos antigos.

"Esse é um desafio imenso, ainda mais dado que o número de requerimentos aumentou significativamente desde que a nova lei de nacionalidade entrou em vigor", afirmou o porta-voz da imigração.

"Esses requerimentos não surgiram do nada. Por que aconteceu de ter 40 mil requerimentos? Quem é responsável por isso?", questiona Zadnepryanets.

O trâmite desses processos deve atrasar antes de acelerar, já que as regras mais permissivas de naturalização, que entraram em vigor em junho, provocaram uma nova onda de requerimentos. Segundo o LEA, Berlim recebe hoje em média 133 pedidos de cidadania por dia e, neste ano, já contabiliza mais de 25 mil processos; se as coisas continuarem nesse ritmo, até o final do ano deverão ser 48 mil.

Apesar disso, o órgão afirmou ao jornal Berliner Morgenpost em janeiro que a meta era analisar esses pedidos em seis meses – algo que soa pouco realista para Zadnepryanets, que diz não conseguir entender por que não há mais pessoas questionando a transparência e eficiência do sistema.

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"Estou com medo de esperar outros cinco anos para que alguém toque no meu processo", afirma ela, que agora também cogita acionar a imigração na Justiça.Autor: Ben Knight

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