André Santana

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Opinião

Thiago Fragoso poderia tentar um personagem em Pé de Chinesa

Muita gente ficou comovida com a entrevista do ator Thiago Fragoso sobe a atual dificuldade de homens brancos e heterossexuais como ele conseguirem personagens na televisão. O lamento do artista despertou um debate sobre privilégios, representatividade e igualdade nas narrativas ficcionais.

A fala do ator reflete um incômodo compreensível para alguém com o fenótipo padrão que sempre dominou as narrativas televisivas há mais de 7 décadas. Basta uma olhada nas telenovelas de 10 anos atrás para perceber como os personagens eram interpretados quase na totalidade por atores brancos e olhos claros como Thiago. Inclusive quando as histórias narravam povos de outras etnias e que trazem na pele outros traços físicos. Na história da telenovela brasileira já tivemos atores brancos com rosto pintado de preto (black face), outros tão brancos interpretando personagens históricos (ou seja, reais) indígenas, negros ou mestiços, a exemplo de Machado de Assis e Chiquinha Gonzaga.

A TV nunca se preocupou com essa questão estética ao ambientar tramas em outras regiões do Brasil ou mesmo em outros países. Sendo atores e atrizes de pele clara e traços finos poderiam viver qualquer papel. Podia ser em Marrocos, na Índia ou no litoral da Bahia (vide Segundo Sol de 2018), o importante era manter o padrão eurocêntrico de beleza valorizado pelo racismo brasileiro.

Mas a situação atual apresenta uma leve, porém significativa mudança, com a presença de pessoas negras e com outros padrões de beleza nas narrativas televisivas. E o que é melhor, protagonizando as histórias e tendo um retorno positivo junto ao público que se sente representado na diversidade que é o povo brasileiro.

Aí o que era 100% para atores do perfil do Thiago, agora deve ter diminuído para 70% ou 80%, o que é uma perda considerável para os galãs de pouca versatilidade estética. Isso porque alguns adaptam o visual para se incorporarem na maré da diversidade, fazerem parecer que sempre foram fora do padrão.

Além da ampliação da diversidade, concorrência da internet exigiu mudanças na televisão aberta

Importante destacar que essa crescente ampliação da presença negra na dramaturgia ocorre também na criação das histórias e na condução das tramas, pois só é possível alterar as imagens exibidas a partir de roteiros e direções também interessados em promover essa diversidade de talentos e estéticas.

Somado a essa perda mínima de espaço, os galãs brancos sofrem as consequências da diminuição das audiências televisivas pela concorrência com a internet e as plataformas de streemming. Isso muda muito as preocupações das emissoras e dos produtores da tevê aberta, que tentam buscar novas formas de segurar o público diante da telinha.

Até o formato dos contratos com as grandes estrelas mudou. A Venus Platinada abriu mão de vínculos exclusivos e passou a contratar os artistas por produção, como muitos trabalhadores comuns.

Portanto, é mesmo uma barra para Thiago Fragoso manter a hegemonia à qual estava acostumado.

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Sucesso na internet, Pé de Chinesa zomba dos estereótipos televisivos

Uma opção que surgiu e pode servir de alento para Thiago é a telenovela Pé de Chinesa, último grande viral do antigo X, ex-Twitter, antes da rede ser barrada no Brasil por conta da teimosia fascista do seu proprietário que se recusou a respeitar as leis do país.

A novela fictícia "Pé de Chinesa", com direito a escalação de elenco, trilha sonora e trailer de abertura, brinca justamente com os absurdos de uma narrativa televisiva sem lógica ou sensibilidade cultural. Criada como uma sátira por um humorista, a novela apresenta uma premissa absurda que gira em torno de estereótipos e situações inverossímeis, expondo o quão ridícula pode ser a falta de diversidade e cuidado nas tramas da TV. O sucesso da piada revela como o público percebe e ironiza a superficialidade e a repetição de padrões excludentes nas novelas brasileiras.

"Pé de Chinesa" pode ser vista como uma metáfora da exaustão das audiências com a hegemonia de narrativas homogêneas e insensíveis às mudanças sociais.

Ao contar uma história com personagens nascidos na China e escalar, de forma livre e sem preocupação com a verossimilhança, um elenco repleto de figuras badaladas das redes sociais, como Jade Picon e Davi Brito, junto a artistas que sempre tiveram espaço cativo nas telenovelas independentemente da origem das personagens, Pé de Chinesa coloca em evidência (e zomba) justamente o modo de escalação que Fragoso demonstra ainda ter saudade.

Nas redes sociais, a repercussão de Pé de Chinesa foi enorme, levando até autoridades do segmento 'novelas de verdade' se posicionarem, como foi o caso da escritora Glória Peres, suposta autora da trama, que bem poderia fazer parte do seu currículo de histórias que unem povos e culturas distintas.

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Muita gente, em tom de ironia ou mera inocência, questionou a falta de representatividade asiática no elenco de Pé de Chinesa. Outros aproveitaram para reclamar da crescente ocupação das narrativas por "influenciadores digitais" sem formação nas artes cênicas e nenhum talento para a dramaturgia, outra concorrência para os galãs de outrora.

A crítica mais ampla que emerge tanto da fala de Fragoso quanto do fenômeno de "Pé de Chinesa" é a da resistência ao avanço da representatividade. Enquanto a diversidade começa a ser representada em espaços que sempre foram dominados por homens brancos, alguns enxergam isso como uma ameaça, quando na verdade é uma correção de uma distorção histórica.

Assim, a fala do ator e o sucesso da novela fake caminham em direções opostas: enquanto uma revela um temor pela diversidade, a outra celebra, de forma cômica e crítica, a necessidade urgente de renovação nas narrativas televisivas. O entretenimento precisa evoluir para refletir a complexidade do Brasil contemporâneo, e isso passa por abrir espaço para outras vozes, rostos e histórias. O tempo de monopólio dos padrões únicos na TV está acabando, e isso é um ganho de pluralidade e justiça.

Realmente entendo a tristeza do Thiago com o espaço perdido, desejo força nesta luta pelo mercado de trabalho e torço que ele "ressignifique sua jornada" artística e pense em novas possibilidade de atuação. Quem sabe um personagem oriental em Pé de Chinesa não o traria de volta aos holofotes televisivos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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