Política, economia e imigração: Como a eleição dos EUA impacta a América Latina
Vitória de Donald Trump ou de Kamala Harris coloca EUA em direções opostas em temas como imigração, comércio, estabilidade política e meio ambiente. A eleição presidencial dos EUA, marcada para 5 de novembro deste ano, acontece em meio a um aumento da instabilidade política na América Latina.
No Brasil e na Colômbia, as eleições de Luiz Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro mudaram os grupos políticos no poder. O México também tem uma nova presidente, Claudia Sheinbaum, e a Argentina luta contra uma crise econômica e social sob o governo de Javier Milei. Na Venezuela, a contestada eleição de Nicolás Maduro gerou uma nova crise de representação no país, que se estende também, em menor nível, ao Peru.
Estes países possuem laços profundos com os EUA — país também marcado pela crescente polarização política. Seja por aproximação ou oposição, a América Latina é diretamente impactada pelas políticas americanas de comércio, migração e segurança. Por isso, o resultado da eleição americana, disputada entre o ex-presidente Donald Trump e a vice-presidente Kamala Harris, pode levar os EUA a direções opostas em suas políticas para a região.
Comércio
"Tradicionalmente, o liberalismo dos governos republicanos, em oposição ao protecionismo dos democratas, não tem tido um impacto negativo na América Latina", diz à DW Matías López, cientista político da Universidade Diego Portales, do Chile. "Mas isso mudou", acrescenta, "já que Trump é protecionista, e diz que vai impor tarifas sobre as importações, por exemplo, sob o slogan de 'America First'". Além disso, ele ressalta, esse seria um governo potencialmente instável e imprevisível, o que "é sempre ruim para os negócios".
Para o especialista em história econômica da Universidade de Buenos Aires Leandro Morgenfeld, se Trump vencer, ele também deve restringir as concessões feitas pelos EUA na rodada de renegociação do acordo de livre comércio entre Canadá, México e Estados Unidos, que acontece em 2025. Segundo Morgenfeld, Trump pressionaria por "uma maior concentração e realocação da produção em solo americano, algo que ele não conseguiu fazer antes".
Se a vencedora for Kamala Harris, Morgenfeld crê que o cenário comercial não deve mudar. "Considerando que os acordos incentivados por Barack Obama [ex-presidente dos EUA] fracassaram devido à resistência interna nos EUA, não creio que haverá progresso. Vivemos em um mundo cada vez mais intervencionista, com áreas econômicas mais protegidas em termos de políticas que apoiam reformas sociais e econômicas". O progresso feito nessa área pelo atual presidente dos EUA, Joe Biden, é insuficiente, ressalta o pesquisador.
Migração
"Se Trump ganhar, veremos medidas mais radicais, proibições de entrada de alguns imigrantes, como em seu primeiro governo. E Trump chegou a prometer uma série de deportações em massa", explica Renata Segura, diretora para a América Latina e o Caribe do think tank International Crisis Group, em entrevista à DW.
"Acreditamos que Trump colocaria muito mais pressão sobre o México e outros países da região, e sobre as pessoas que já vivem nos Estados Unidos e estão em processo de asilo, ou simplesmente sem documentos", afirma Segura.
Segura também explica que Trump deve desacelerar os processos de legalização de imigrantes iniciados por Biden e poderia colaborar com o novo governo panamenho para conter a migração através da selva de Darién — conhecida rota de migração na fronteira do Panamá com a Colômbia.
Se Kamala Harris ganhar a eleição, "não acho que veríamos uma mudança muito substancial na política de imigração em relação ao que vimos durante o governo Biden", diz Renata Segura. Não haveria medidas draconianas como as de Trump, e "Harris tentaria continuar legalizando os 'dreamers' [imigrantes ilegais que foram levados aos EUA quando crianças], algo que Trump não estaria interessado em fazer".
Combate ao tráfico de drogas, segurança e saúde
O uso de drogas nos EUA causa mais de 100 mil mortes por ano. "Seja quem for o vencedor, o governo mexicano sofrerá muita pressão para tentar conter a corrupção de funcionários de alto escalão e controlar o fluxo de narcóticos do México para os EUA", diz Renata Segura. Mas é altamente improvável que Harris ordene qualquer tipo de intervenção militar.
Por outro lado, "é muito provável que um governo republicano tente trazer forças de segurança para o México". A principal preocupação dos EUA é tentar conter o fluxo de fentanil. Um governo Harris poderia ter "uma política mais branda, legalização ou regularização do mercado de drogas, ou tentar reduzir a militarização", acrescenta Segura.
Em termos de segurança, "é de se esperar que a política de Harris seja muito semelhante à de Obama, que não foi exatamente muito amigável com os governos latino-americanos", destaca Matías López, da Universidade Diego Portales. "Não vamos nos esquecer do Wikileaks, ou da escuta telefônica de Dilma Rousseff", enfatizou, em referência à descoberta, em 2015, de que a ex-presidente Dilma Rousseff foi alvo de espionagem pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.
"No primeiro mandato de Trump, houve um fortalecimento das forças de segurança", lembra Morgenfeld. E a abordagem de Trump é mais militar do que de saúde pública, com cortes pesados nos orçamentos de saúde. Ele aponta, como exemplo, a reversão da lei do aborto pela Suprema Corte dos EUA, defendida por juízes ultraconservadores nomeados por Trump. Kamala Harris não seria capaz de mudar este cenário porque não tem os votos necessários, pelo menos no Senado, explica.
Estabilidade política e democracia
"Está bem claro que a eleição de Trump representa um grande risco para a estabilidade democrática, não apenas nos Estados Unidos, mas na região, porque Trump pretende ser um líder autoritário e está aliado a líderes autoritários fora dos EUA", diz Matías López, que pesquisou a sobrevivência democrática em contextos de alta desigualdade.
Ele cita, por exemplo, a proximidade de Trump com o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro. A invasão ao Capitólio dos Estados Unidos por apoiadores de Trump, de janeiro de 2021, como tentativa de intervir no resultado das urnas, foi repetida no Brasil por eleitores de Bolsonaro, em janeiro de 2023, sob o mesmo pretexto.
Por isso, o especialista entende que uma vitória de Trump traria riscos significativos para a estabilidade democrática nos Estados Unidos e na América Latina.
"Trump não demonstrou praticamente nenhum interesse em promover a democracia ou intervir em crises diplomáticas", diz Renata Segura, autora de obras sobre prevenção de conflitos, que prevê que com Trump haveria 'uma retirada ainda maior dos EUA dos espaços democráticos na América Latina'. Embora Biden tenha tentado preenchê-los novamente, a China e a Rússia avançaram sobre esse vácuo diplomático, explica ela.
Leandro Morgenfeld, pesquisador das relações entre os EUA e a América Latina, observa que "muitos acreditavam que Biden voltaria à política de abertura de Obama com relação à situação na Venezuela ou em Cuba, mas ele não o fez. Ele apenas retirou algumas das novas sanções que Trump havia implementado contra Cuba, mas não continuou no caminho de Obama". Isso pode continuar com Kamala Harris.
No caso da Venezuela, Morgenfeld pondera que algumas sanções foram derrubadas por causa da necessidade dos Estados Unidos por petróleo, diante dos conflitos na Europa e no Oriente Médio.
Mudanças climáticas
No que diz respeito a medidas para frear as mudanças climáticas ou mitigar suas consequências, "Trump é um negacionista do aquecimento global, com tudo o que isso implica", afirma Matías López. No entanto, "Kamala Harris também não é contrária ao fracking para extração de gás na Pensilvânia, por exemplo".
Mas Leandro Morgenfeld pondera que, diferentemente de Trump, que nega as mudanças climáticas, "os democratas destacam a necessidade de participar de acordos multilaterais para estabelecer políticas de mitigação" de seus efeitos.
"Harris defendeu a importância de que toda a região combata as mudanças climáticas e proteja a floresta amazônica", concorda Renata Segura. "Haveria uma diferença radical entre Harris, que faz do clima um tema central em sua campanha, e Trump, que nega completamente o aquecimento global".