Rússia, Zuma, a família Gupta e o projeto nuclear sul-africano
Marcel Gascón.
Johanesburgo, 27 abr (EFE).- Na meia-noite do dia 31 de março, o presidente sul-africano, Jacob Zuma, provocou indignação dentro e fora do governo com a destituição do ministro de Finanças, Pravin Gordhan, e do "número dois" da pasta, Mcebisi Jonas.
As alterações geraram uma série de consequências. O Partido Comunista e o sindicato COSATU, dois aliados históricos do partido Congresso Nacional Africano (CNA), liderado por Zuma, pediram pela primeira vez a renúncia do presidente.
Duas agências de classificação de risco rebaixaram a nota da economia sul-africana a bônus lixo, mais de 100 mil pessoas pediram nas ruas a saída imediata do presidente, enquanto a oposição prepara uma moção de censura, e torce pelo apoio dos deputados descontentes do CNA.
Um livro recém-publicado pelo jornalista Pieter-Louis Myburgh detalha a série de acontecimentos das últimas semanas, e tem como principal foco o plano de Zuma de construir novos reatores nucleares, que contava com a oposição de Gordhan.
De acordo com o autor, esses reatores provavelmente seriam abastecidos com o urânio de uma mina que um dos filhos do presidente possui com a polêmica família Gupta, e a empresa pública russa ROSATOM adiantou que seriam construídos antes que o projeto seguisse para a licitação.
Segundo conta Myburgh em "The Republic of Gupta" ('A República dos Gupta'), este grupo de empresários de origem indiana comprou em maio de 2009 (o mesmo mês em que Zuma chegou à presidência) uma mina de urânio de propriedade de uma empresa canadense, que a tinha colocado à venda por causa da queda dos preços do metal no mundo.
Entre os novos acionistas da mina estava Duduzane Zuma, um dos 22 filhos do presidente, que começou a carreira nos negócios em 2003, com apenas 19 anos, na empresa matriz desta família com enorme influência no governo Zuma e que fez fortuna com concessões públicas.
Três meses após a aquisição - que a empresa Oakbay, dos Gupta, fez com surpreendente facilidade de crédito por parte do governo -, Zuma anunciou na Convenção sobre Mudança Climática de Copenhague que a África do Sul reduziria espetacularmente suas emissões de carvão.
Dois anos depois, a ministra de Energia anunciou a construção de seis a oito novos reatores nucleares, um projeto avaliado em 65 bilhões de euros que, segundo críticos e especialistas do setor financeiro, quebraria o país.
Apesar de ter pendente a aprovação necessária do Ministério de Finanças, e portanto não ter ido nem sequer à licitação, o projeto pareceu ter encontrado um destino em setembro de 2014, quando um comunicado da ROSATOM anunciou o uso de reatores russos no programa nuclear sul-africano.
Tanto o governo como a empresa russa se explicaram pouco depois para amenizar o escândalo, mas as suspeitas de um acordo sigiloso continuam vivas apesar das argumentações.
A primeira vítima dos planos nucleares do presidente foi o ministro de Finanças, Nhlanhla Nene, que rejeitava o projeto e que foi substituído em dezembro de 2015 por um desconhecido que, segundo se soube depois, tinha visitado a residência dos Gupta em várias ocasiões dias antes de ser nomeado.
Mas os planos de Zuma foram freados pela comoção que a destituição do respeitado Nene provocou nos mercados. Com isso, o presidente se viu obrigado a recuperar um antigo ministro, Pravin Gordhan, um veterano com grande prestígio entre os investidores, para impedir a sangria econômica.
O ministro fez o que se esperava dele: tentou impor austeridade nos orçamentos das empresas públicas - cujas concessões ergueram o império dos Gupta - e continuou a recusar o projeto nuclear defendido por Zuma.
Gordhan demorou menos de um ano e quatro meses para ser afastado do cargo e substituído por Malusi Gigaba, ministro de Empresas Públicas durante os cinco primeiros anos de Zuma.
Os serviços secretos sul-africanos apontavam Gigaba como um dos ministros ligados aos Gupta, que, segundo o ex-vice-ministro Jonas e outros altos cargos do partido de Zuma, ofereceram postos de ministro em nome do presidente e influenciaram diretamente na concessão de contratos públicos.
Segundo agentes de segurança da residência dos Gupta entrevistados por Myburgh para seu livro, Gigaba é um dos ministros que visitaram várias vezes o complexo da família. Desde a meia-noite de 31 de março, Gigaba tem a última palavra sobre o plano nuclear sul-africano.
Johanesburgo, 27 abr (EFE).- Na meia-noite do dia 31 de março, o presidente sul-africano, Jacob Zuma, provocou indignação dentro e fora do governo com a destituição do ministro de Finanças, Pravin Gordhan, e do "número dois" da pasta, Mcebisi Jonas.
As alterações geraram uma série de consequências. O Partido Comunista e o sindicato COSATU, dois aliados históricos do partido Congresso Nacional Africano (CNA), liderado por Zuma, pediram pela primeira vez a renúncia do presidente.
Duas agências de classificação de risco rebaixaram a nota da economia sul-africana a bônus lixo, mais de 100 mil pessoas pediram nas ruas a saída imediata do presidente, enquanto a oposição prepara uma moção de censura, e torce pelo apoio dos deputados descontentes do CNA.
Um livro recém-publicado pelo jornalista Pieter-Louis Myburgh detalha a série de acontecimentos das últimas semanas, e tem como principal foco o plano de Zuma de construir novos reatores nucleares, que contava com a oposição de Gordhan.
De acordo com o autor, esses reatores provavelmente seriam abastecidos com o urânio de uma mina que um dos filhos do presidente possui com a polêmica família Gupta, e a empresa pública russa ROSATOM adiantou que seriam construídos antes que o projeto seguisse para a licitação.
Segundo conta Myburgh em "The Republic of Gupta" ('A República dos Gupta'), este grupo de empresários de origem indiana comprou em maio de 2009 (o mesmo mês em que Zuma chegou à presidência) uma mina de urânio de propriedade de uma empresa canadense, que a tinha colocado à venda por causa da queda dos preços do metal no mundo.
Entre os novos acionistas da mina estava Duduzane Zuma, um dos 22 filhos do presidente, que começou a carreira nos negócios em 2003, com apenas 19 anos, na empresa matriz desta família com enorme influência no governo Zuma e que fez fortuna com concessões públicas.
Três meses após a aquisição - que a empresa Oakbay, dos Gupta, fez com surpreendente facilidade de crédito por parte do governo -, Zuma anunciou na Convenção sobre Mudança Climática de Copenhague que a África do Sul reduziria espetacularmente suas emissões de carvão.
Dois anos depois, a ministra de Energia anunciou a construção de seis a oito novos reatores nucleares, um projeto avaliado em 65 bilhões de euros que, segundo críticos e especialistas do setor financeiro, quebraria o país.
Apesar de ter pendente a aprovação necessária do Ministério de Finanças, e portanto não ter ido nem sequer à licitação, o projeto pareceu ter encontrado um destino em setembro de 2014, quando um comunicado da ROSATOM anunciou o uso de reatores russos no programa nuclear sul-africano.
Tanto o governo como a empresa russa se explicaram pouco depois para amenizar o escândalo, mas as suspeitas de um acordo sigiloso continuam vivas apesar das argumentações.
A primeira vítima dos planos nucleares do presidente foi o ministro de Finanças, Nhlanhla Nene, que rejeitava o projeto e que foi substituído em dezembro de 2015 por um desconhecido que, segundo se soube depois, tinha visitado a residência dos Gupta em várias ocasiões dias antes de ser nomeado.
Mas os planos de Zuma foram freados pela comoção que a destituição do respeitado Nene provocou nos mercados. Com isso, o presidente se viu obrigado a recuperar um antigo ministro, Pravin Gordhan, um veterano com grande prestígio entre os investidores, para impedir a sangria econômica.
O ministro fez o que se esperava dele: tentou impor austeridade nos orçamentos das empresas públicas - cujas concessões ergueram o império dos Gupta - e continuou a recusar o projeto nuclear defendido por Zuma.
Gordhan demorou menos de um ano e quatro meses para ser afastado do cargo e substituído por Malusi Gigaba, ministro de Empresas Públicas durante os cinco primeiros anos de Zuma.
Os serviços secretos sul-africanos apontavam Gigaba como um dos ministros ligados aos Gupta, que, segundo o ex-vice-ministro Jonas e outros altos cargos do partido de Zuma, ofereceram postos de ministro em nome do presidente e influenciaram diretamente na concessão de contratos públicos.
Segundo agentes de segurança da residência dos Gupta entrevistados por Myburgh para seu livro, Gigaba é um dos ministros que visitaram várias vezes o complexo da família. Desde a meia-noite de 31 de março, Gigaba tem a última palavra sobre o plano nuclear sul-africano.
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