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Lesbianismo no Egito convive com silêncio e rejeição das famílias

08/05/2017 10h00

Isaac J. Martín.

Cairo, 8 mai (EFE).- Para a jovem Fátima Abdallah, que se esconde no anonimato, não foi fácil viver no Egito ocultando sua homossexualidade. Ela contou à Agência Efe, em entrevista por telefone, que muitas famílias escolhem o silêncio para que ninguém saiba a condição sexual de filhos como ela.

Fátima, que tem por volta de 30 anos e vive exilada em um país cujo nome não quis revelar, sempre andava com cuidado pelas ruas do Cairo para que ninguém percebesse que ela gostava de mulheres.

Só um parente sabe que ela é lésbica. Mas este mantém o fato em silêncio, já que acredita que "é uma fase de sua vida e que ela passará". Este familiar não contou seu segredo para mais ninguém.

A jovem se sentia sempre sozinha em um país que não persegue explicitamente a homossexualidade em seu código penal, embora o chame de "libertinagem" - que poder levar pessoas a sofrer acusações de "práticas imorais" e acabar na prisão.

Fátima acredita que este parente "já sabia", embora quando contou para ele, viu que seu rosto mudou e "se mostrou decepcionado".

Por desconhecimento de sua família, não teve que enfrentar a odisseia vivida recentemente pela compatriota Shaza Ismail, que junto com sua namorada hispano-argentina María Jimena Rico fugiu de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para onde tinham ido para ver a mãe da primeira, que supostamente estava doente.

Mas tudo não passava de um plano orquestrado por seu pai, que fez uma armadilha para Shaza para poder retê-la no país.

Shaza, que hoje vive em Londres, disse a sua família egípcia que tinha uma namorada. Por esse motivo, seus pais a acusaram às autoridades dos EAU de ter uma relação homossexual.

Ao tomarem conhecimento da denúncia, as jovens conseguiram fugir de avião até a Geórgia, onde o pai de Shaza as interceptou e inclusive rasgou seus passaportes, mas conseguiram escapar e cruzar a pé a fronteira para a Turquia, onde foram detidas pela polícia local.

Após ficarem mais de 48 horas isoladas, a embaixada da Espanha na Turquia confirmou o bom estado das duas, que depois foram deportadas e chegaram ao aeroporto de Barcelona.

Sobre este assunto, Fátima pensa que o fato de que o pai de Shaza tenha perseguido e denunciado sua filha "não vai mudar a realidade". Ela afirmou que este tipo de ação causa "mais dano" e faz com que a sociedade continue "oprimida".

Para a sociedade egípcia, segundo Fátima, ser homossexual "é contra a religião e a cultura, e inclusive as pessoas que dizem ter a mente mais aberta encaram a situação como uma coisa muito negativa".

Por estas mesmas razões, a egípcia escolheu viver longe de seu lar e garantiu que não quer voltar ao Egito. No entanto, afirmou que não perdeu o contato por telefone com sua família. Eles acreditam que ela foi embora do país por causa de uma oferta de trabalho a milhares de quilômetros de seu lar.

O ativista político e diretor do Programa LGTBI da organização Human Rights Watch (HRW), Boris Dittrich, disse à Efe que tanto as garotas como os rapazes homossexuais no Egito "tentam deixar" o país se "quiserem viver", mas isto, como assegura, "é uma questão de classe social".

"Se você não tem dinheiro, educação e contatos, é difícil que possa construir uma nova vida fora. No Egito, tem medo de que a polícia, uma vez que o detenha, diga a sua família que é homossexual, porque isso pode levar à exclusão social ou inclusive, a um crime de honra", explicou Dittrich.

Apesar disso, ele frisou que as lésbicas têm "menos visibilidade" que os rapazes e podem passar mais despercebidas, mas se "forem pegas, suas vidas estarão em perigo no Egito".

A famosa instituição sunita egípcia de Al Azhar determinou que a homossexualidade é "um crime contra a humanidade". Assim diz um édito religioso com o qual responde às campanhas internacionais que pedem a legalização do casamento gay: "Al Azhar destaca que a homossexualidade (...) é uma degeneração da humanidade para a parte mais profunda do pecado, e sem dúvida é um crime contra a humanidade e uma violação flagrante aos direitos humanos".

A vida de Fátima pôde mudar por ela ter encontrado uma pessoa que a encaminhou para o lugar onde está agora, embora o silêncio continue sendo seu melhor companheiro para esconder sua realidade. EFE

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