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Corrupção abre caminho para aumento da migração ilegal no sudeste asiático

19/06/2017 17h05

Jacarta/Daca, 19 jun (Minds/EFE).- A corrupção e a porosidade das fronteiras alimentam a imigração ilegal, majoritariamente econômica, no sudeste da Ásia, onde as redes movimentam também pessoas que fogem de conflitos como o do Afeganistão ou de perseguições como a do povo rohingya, em Myanmar.

Cerca de 80% dos que cruzam ilegalmente as fronteiras o fazem com a ajuda de traficantes, um negócio que movimenta US$ 2 bilhões na Ásia, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC).

Este contrabando envolve um amplo leque de pessoas, começando por aldeões de áreas de fronteira que foram recomendados por outros clientes e que arrecadam um dinheiro extraordinário com o transporte de pessoas que buscam cruzar a fronteira ilegalmente.

No outro extremo estão os especialistas que oferecem documentos falsos e conhecem os funcionários alfandegários que, em troca de subornos, permitem a saída do país de pessoas sem documentos.

"A corrupção é literalmente o lubrificante que permite que girem as rodas", disse a especialista em tráfico de pessoas no sudeste asiático, Fiona David, à agência australiana "AAP".

Uma grande parte destes imigrantes é de homens jovens que buscam melhores oportunidades econômicas.

Também há um número significativo de pessoas, inclusive mulheres e crianças, que fogem de conflitos como os de Afeganistão, Iraque, Síria, ou da perseguição que, por exemplo, sofre em Myanmar a minoria muçulmana rohingya, considerada apátrida pela ONU.

A emigração econômica é, "de longe", a maior no sudeste asiático, enquanto a motivada pelos conflitos, que levou 60 milhões de pessoas em todo o mundo a serem consideradas deslocadas, representa na região cerca de 3 milhões ou 4 milhões de pessoas, detalhou David.

Segundo a Organização Internacional de Migração (OIM), 2,5 milhões de trabalhadores asiáticos migram a cada ano para trabalhar sob contrato em outros Estados, principalmente do Golfo Pérsico, mas também em novas nações da Ásia e da Europa e América do Norte.

No que diz respeito aos fluxos irregulares, David calculou que apenas na Malásia há entre 2 milhões e 3 milhões de indocumentados.

"A maioria não seria de refugiados, muitos deles seriam indonésios comuns buscando um trabalho melhor", destacou.

Os migrantes, que podem chegar a pagar até US$ 10.000 pelas suas viagens aéreas a países como Estados Unidos e Canadá, se expõem a duras travessias por terra ou em embarcações precárias com a intenção de chegar aos litorais de Austrália e Nova Zelândia.

"Os que têm dinheiro ou peças de ouro pagam os traficantes para que os levem por via aérea, e aqueles que não têm tentam fazer isso pela estrada", explicou Mohammad Idris, um rohingya instalado em um dos acampamentos desta minoria em Bangladesh à agência francesa "AFP".

Milhares de rohingyas se viram obrigados a fugir de Myanmar por causa da discriminação que sofrem por parte das autoridades, agravada por vários surtos de violência da maioria budista do estado de Rakain, onde vive a maior parte deste coletivo.

Cerca de 75.000 se refugiaram em Bangladesh após uma operação de castigo que o exército birmanês iniciou após um atentado em outubro do ano passado e ficaram confinados em campos de refugiados apesar de as autoridades bengalesas não os reconhecerem como tais.

A tentativa de chegar a outro país por vias irregulares e com a ajuda das redes de tráfico é uma aposta incerta que frequentemente deixa muitos dos migrantes em centros de detenção nos países de passagem, expostos à exploração trabalhista ou sexual, ou inclusive à morte.

Em 2015 foi descoberta uma rede de campos de internamento na fronteira entre a Tailândia e a Malásia na qual milhares de migrantes, a maioria rohingyas e bengaleses, eram retidos em condições precárias enquanto as máfias exigiam às suas famílias mais dinheiro para completar sua viagem.

Uma operação policial permitiu descobrir ao redor destes campos, no sul da Tailândia, 28 túmulos com os supostos restos mortais de imigrantes, e pelo menos meia dúzia mais no lado malaio da fronteira.

A operação interrompeu o fluxo terrestre destes imigrantes e deixou milhares deles retidos em barcos em alto mar, abandonados pelas máfias, na maior crise de refugiados em anos na região.

Cerca de uma centena de pessoas foram detidas na Tailândia por sua suposta implicação nesta rede de tráfego, inclusive altos funcionários, policiais e militares, que estão sendo processados pela Justiça do país.

Mas essa operação não conseguiu conter o tráfico humano, e sim obrigou as máfias a variar suas estratégias. Atualmente elas operam novas rotas em Bangladesh por ar e terra por meio de pagamentos que são efetuados através de dispositivos móveis e outros mecanismos de distribuição de dinheiro difíceis de ser rastreados.

"As redes de traficantes multinacionais estão ao alcance com uma ligação telefônica", contou à "AFP" o especialista em migração Jalaluddin Sikder, da Unidade de Investigação de Movimentos Migratórios e Refugiados de Daca.

As autoridades de Bangladesh trabalham na identificação das rotas usadas pelos traficantes para tirar os rohingyas desse país, enquanto estudam confinar cerca de 400.000 membros desta minoria em uma ilha do golfo de Bengala.

Já a Indonésia, antes ponto de embarque para a Austrália, recebe cerca de 14.000 solicitantes de asilo e refugiados que vivem de forma temporária nesse país, sem poder trabalhar e sem a possibilidade de lá permanecer, já que o país não é signatário da Convenção da ONU para os Refugiados.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) outorgou a 8.000 deles o status de refugiado, enquanto o restante está à espera de que seja encontrado algum país de acolhida.

A situação para eles se torna mais crítica por causa da crise migratória que afeta principalmente a Europa como receptora e o auge de discursos anti-imigração como o do presidente americano, Donald Trump, bem como as políticas ferrenhas na região, como as da Austrália.

Um dos que vive em um angustiante limbo é Mohammad Baqir Bayani, membro da discriminada minoria hazara do Afeganistão, que entrou em contato com traficantes em 2015 após um ataque de um grupo armado em que morreram cinco pessoas, entre elas seu pai.

Bayani e sua família pagaram US$ 50.000 para viajar de avião à Indonésia, passando por Índia e Malásia, em um trajeto em que recebiam ordens dos traficantes por telefone à espera de seu próximo movimento.

"Havia funcionários no aeroporto (...) simplesmente estávamos sentados e eles vinham até nós, pegavam nossa bagagem e os seguíamos", relatou Baqir Bayani à "AAP".

Os traficantes lhes disseram que tinham que esperar um ano na Indonésia para serem situados em um novo lar, mas quase dois anos depois esta família está retida e sem recursos, razão pela qual a opção foi recorrer a um dos amontoados centros de detenção.

O diretor-geral de Imigração da Indonésia, Ronny Sompie, disse que estes centros estão transbordados com "imigrantes ilegais", cujo número aumentou cinco vezes mais que nos sete anos anteriores.

Tanto o governo indonésio como o ACNUR pediram à Austrália que suspenda uma proibição de aceitar refugiados atualmente na Indonésia vigente desde junho de 2014.

Indonésia e Austrália são aliados no fórum Processo de Bali, fundado em 2002 e que engloba 45 países e três organizações internacionais, para cooperar e lutar contra o tráfico humano e de migrantes na região Ásia-Pacífico.

A Austrália militarizou o monitoramento marítimo com a chamada "Operação Fronteiras Soberanas" e obriga barcos com solicitantes de asilo a retornar aos seus portos de embarque.

A política australiana "violou de alguma maneira nossa soberania, nossas águas territoriais", disse o ministro de Relações Exteriores da Indonésia, Andy Rachmianto.

"É por isso que lembramos aos nossos amigos que este tipo de política entorpecerá as relações bilaterais entre a Indonésia e a Austrália", acrescentou Rachmianto à "AAP".