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Cidade na fronteira entre México e EUA é lar de usuários de drogas injetáveis

24/08/2018 06h02

Martí Quintana.

Ciudad Juárez (México), 24 ago (EFE).- Tristeza e corpos marcados, seringas, doses, veias saltadas. Essa é a realidade dos usuários de drogas injetáveis na cidade mexicana Ciudad Juárez, que fica localizada na fronteira com os Estados Unidos, que vivem um redamoinho de dor e feridas abertas, uma batalha quase perdida para as drogas.

"Eu me injeto na virilha porque já não tenho veias. São anos consumindo e já não consigo achá-las", explicou à Agência Efe Adán, de 39 anos.

Adán vive em uma colônia (bairro) da periferia desta cidade de 1,5 milhão de moradores, acompanhado de vários membros de sua família, inclusive crianças. Em um quarto da casa, ele e outros consumidores aplicam diariamente drogas injetáveis, como heroína.

O homem em questão é extremamente magro, com os dentes desgastados e um abscesso enorme em uma das pernas, fruto de uma injeção mal aplicada. Mas também tem uma mente clara e a fala tranquila.

Ele é o encarregado deste "picadouro", ao qual a ONG Programa Compañeros visita semanalmente.

"Os Compañeros nos ajudam em muitas coisas. Em como prevenir a Aids e a tuberculose, por exemplo, e isso acontece há tempos", explicou Adán, que hoje recebe desta entidade fundada em 1986 vários equipamentos, como seringas novas.

Como encarregado, Adán cuida e inclusive injeta nos outros usuários, que durante o dia e a noite passam pelo local para buscar, além de insumos, um lugar onde consumir longe dos transeuntes.

Em troca, este homem que se tornou um "viciado" em drogas aos 13 anos e é pai de quatro filhos, recebe várias moedas ou gotas de heroína para sua dose, que completa trabalhando como faxineiro ou pintor.

"Não ando fazendo tolices, ganho a vida honradamente", contou.

No imóvel, há hoje quatro meninas e uma criança, que brincam pelo pátio sem sapatos. "Me preocupa se vão se machucar com uma seringa ou uma agulha", disse María do Rosario, de 48 anos e irmã de Adán.

Ela deixou de se injetar há 15 anos, e embora de vez em quando consuma drogas, disse estar "limpa" e se preocupar com o futuro das filhas e netos, que como ela podem cair na dependência.

"O diabo é muito grande e não dorme", advertiu María.

Em Ciudad Juárez, o nível de consumo sobressai diante de outros lugares do país. Em parte, especialistas atribuem ao fator fronteira e ao narcotráfico a fácil acessibilidade às drogas, que fazem com que muitos sucumbam a elas.

Há mais de três décadas, o Programa Compañeros faz um elogiável trabalho de redução de danos aos usuários de drogas injetáveis. Atendem cerca de 2 mil por ano, lhes oferecem serviço médico e os visitam em suas áreas de consumo de tempos em tempos.

"Trabalhamos em cerca 60 de 'picadouros' espalhados por toda a cidade. Em alguns são grupos muito reduzidos e em outros espaços como no centro, onde há muito trabalho sexual, há mais movimento", resumiu à Efe Julián Rojas, coordenador do trabalho em campo dos Compañeros e ex-usuário, como a maioria de agentes de saúde da ONG.

Além de seringas, são distribuídos kits completos. No caso das trabalhadoras sexuais, um trabalho a cargo da agente Zulema Ramírez, atenuam os danos do consumo de crack com vitamina C e uma piteira para que não queimem os lábios e nem os dedos ao usar o cachimbo, que é habitualmente uma antena de automóvel.

Em outro ponto desta extensa cidade, em uma casa humilde e pequena, Zulema e José esperam a chegada de outros usuários.

Aos 29 anos, começou a injetar quando era adolescente "por curiosidade" e hoje seus olhos são um poço de tristeza. Entre outras vicissitudes acarretadas pelas drogas, perdeu dois companheiros.

Ela pensou em deixar as drogas, mas a "malilla" (a síndrome de abstinência) é forte demais: "Te dá dor nos ossos, no estômago, choro, dor de cabeça, vômitos, e o estado de ânimo muda muito".

Como mulher, também teve que se negar à troca de droga por sexo. Por isso, denunciou à Efe os problemas de segurança que sofre.

Paradoxalmente, muitos problemas ocorrem pela ação da Polícia, que às vezes entra e enfrenta os consumidores. Zulema mesma recebeu recentemente um duro golpe na orelha, do qual disse não ter se recuperado.

Agora vive com José, que com 34 anos consome "heroína, cocaína, pastilhas e tudo" o que o drogue, afirmou este homem, que trabalha como pintor e, em algumas ocasiões, reconheceu, chegou a roubar.

Com o olhar ainda mais perdido após a dose da manhã, disse sentir saudades de seus três filhos. "Às vezes estou sozinho e começo a chorar, porque não os tenho comigo".

Durante esta visita da ONG, chegou um dos primeiros usuários do dia no "picadouro".

Juan de Dios tem cerca de 50 anos, usa um crucifixo no pescoço e anda a duras penas ajudado por uma muleta. Ele não possui um braço.

"Sair é muito difícil, então recomendo que não provem. E eu não dou. Vejam, assim comecei e olhem como estou", concluiu Adán.