Michelle Bachelet, a mulher que defende os direitos humanos no mundo
Isabel Saco.
Genebra, 7 mar (EFE).- Michelle Bachelet fez história várias vezes: foi a primeira ministra da Defesa do Chile e da América Latina, e a primeira presidente deste país (2006-2010), cargo para o qual foi eleita novamente para um segundo mandato (2014-2018).
Foi a primeira chefe da ONU Mulheres e agora, como alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, se esforça para cumprir uma delicada missão que se estende a todos os cantos do mundo.
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PERGUNTA: Em 1975, coincidindo com o Ano Internacional da Mulher, as Nações Unidas celebraram o Dia Internacional da Mulher pela primeira vez, em 8 de março. Hoje, 44 anos depois, você considera que existe igualdade entre mulheres e homens?
RESPOSTA: Eu acho que a igualdade entre homens e mulheres ainda não existe no mundo todo. Há países com grandes níveis de igualdade, como os nórdicos, e se observarmos os mais de 40 anos (transcorridos desde a primeira vez que foi comemorado o Dia Internacional da Mulher) ou voltarmos mais atrás e olharmos os 70 anos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, certamente houve avanço.
Hoje em dia acontecem situações que antes eram praticamente vetadas. As mulheres votam na grande maioria de países, podem trabalhar, têm direito a heranças, embora não em todos os cantos do mundo; e têm direito à educação. Em muitos países inclusive têm direito ao planejamento familiar e em vários países está legalizada a interrupção da gravidez em determinados casos.
Há países onde antes as mulheres tinham que pedir permissão aos seus pais ou cônjuges para viajar e agora podem fazê-lo livremente, portanto eu diria que houve avanço. No entanto, ainda há muito a fazer. Há países onde as meninas se casam muito cedo, quando ainda deveriam estar estudando, há mulheres que são obrigadas a se casar contra a sua vontade e há países onde, mesmo sendo ilegal, a mutilação genital feminina continua sendo praticada.
Embora formalmente tenham todos os direitos políticos, econômicos e sociais, as mulheres ainda sofrem com diferenças salariais que vão de 10% a 25% e as mulheres em cargos relativamente importantes são minoria. No mundo, apenas 23% dos parlamentares são mulheres, enquanto na América Latina são 28%, com países que têm quase 50%, como a Costa Rica; ou representação muito alta, como a Argentina.
Então eu diria que a mulher não é uma cidadã de pleno direito em todas as partes do mundo, e em algumas partes é claramente uma cidadã de segunda categoria.
Avançamos, sim, mas devemos continuar avançando com muita força para que meninas e mulheres tenham as oportunidades que merecem.
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P: Movimentos como o "MeToo" levantaram o debate social e político do papel da mulher nas nossas sociedades. Uma das conclusões que todos os que defendem a igualdade concordam é que as meninas e adolescentes precisam de mais referências femininas em todos os âmbitos e que os estereótipos sejam eliminados. Neste sentido, que mensagem enviaria a uma menina ou adolescente?
R: Eu sempre fui muito consciente de que era necessário visibilizar as mulheres. Há mulheres extraordinárias em cada país, que são poderosas, embora não estejam em cargos de poder, mas o problema na maioria das sociedades é que elas não são vistas. Os pais bem-sucedidos aparecem, enquanto as mães cuidam das crianças, dos doentes e dos avôs, fazendo prevalecer os estereótipos. Por isso, no meu primeiro governo, e mesmo antes, quando era ministra, decidi visibilizar as mulheres.
Formei gabinetes paritários, a metade (de ministras) eram mulheres capazes e competentes, tratei de ter por lei cotas para que mais mulheres fossem eleitas (para o Congresso) e nomeei mais mulheres em diretórios de empresas.
Tudo isso porque para ter referências femininas em uma sociedade que discrimina e que torna tudo muito difícil para a mulher chegar ao topo, é necessário ter vontade política que faça com que essas referências existam e que sejam iguais para homens e mulheres.
Nesse sentido, uma pequena lembrança e uma mensagem. A lembrança é que na Finlândia, durante vários anos houve uma chefe de Estado mulher, Tarja Halonen, que me contou que uma vez foi a um jardim de infância e havia crianças às quais perguntou o que queriam ser e todos davam as respostas normais: jornalistas, bombeiros, médicos, mas havia um menino em um cantinho a quem perguntou se não queria ser presidente do país, mas ele respondeu que na Finlândia um homem não podia ser presidente porque sempre tinha visto uma mulher nesse cargo.
Por isso é tão importante ter referências, mas referências cotidianas, também em casa. Por exemplo, eu tive uma mãe que trabalhou a vida toda, que sempre me disse que "as mulheres podem", então a educação no lar e que os pais se envolvam na educação das crianças também importa.
Minha mensagem é que é possível. Que há muitas mulheres que fizeram coisas extraordinárias, que defendem os direitos de outras mulheres, os direitos ambientais, dos indígenas, da terra e a diversidade.
Também há mulheres que morreram por isso e a maior homenagem a elas é não se render, é considerar que se há pessoas que lutaram a vida toda para que as mulheres tenham o nível de respeito e dignidade que merecem, a nossa melhor comemoração é dizer que temos que seguir em frente.
E quero dizer às meninas que elas provavelmente são meninas extraordinárias e que podem ser mulheres extraordinárias, o que não significa que tenham que ser excepcionais, nem diferentes, mas corajosas e acreditar nas suas convicções e atuar em função delas.
E tomara que tenham mães, professoras, colegas de curso que se organizem pelos direitos das mulheres e por temas que elas acham que são importantes.
Hoje vemos na Europa as crianças marchando contra a mudança climática e quem começou isto foi uma menina sueca. Portanto, as mulheres podem e as meninas também.
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P: O Fórum Econômico Mundial diz que ainda devem passar 100 anos para que consigamos a igualdade real entre mulheres e homens. Acredita que o caminho é tão longo? O que se pode fazer para acelerar o processo?
R: Algo aconteceu porque quando eu estava na ONU Mulheres tínhamos calculado 80 anos e agora estamos em 100. De fato, tenho a impressão de que nos últimos anos houve certo arrefecimento dos direitos das mulheres e que em alguns lugares do mundo inclusive houve retrocessos.
Há lugares onde se supunha que havia muito mais clareza e vontade de avançar, mas lentamente se começou o que tem a ver com um processo mundial de retrocesso dos direitos humanos, e vemos que (o avanço dos direitos das mulheres) vai levar mais tempo, sobretudo se deixarmos as coisas como estão e se não tomarmos ações para o aceleramento destes direitos.
Acho que temos várias oportunidades. Por um lado, a agenda 2030 que tem um objetivo específico de empoderamento das mulheres, de igualdade, e a ideia do secretário-geral da ONU é impulsionar esta agenda. Com este propósito, em setembro deste ano haverá um encontro de alto nível sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, para ver como os Estados não esperam 2030, mas já começam a avançar na maior igualdade entre homens e mulheres, na eliminação da pobreza e outros objetivos da agenda que, enfim, estão interligados, mas que têm um fator em comum: se conseguirmos fazer com que as mulheres sejam empoderadas, faremos com que sejam um fator de mudança importante para conseguir os outros objetivos.
Além disso, se os governos se comprometerem a aprovar as leis pertinentes, a gerar condições de trabalho adequadas, a garantir educação para as meninas, se apoiarem as organizações de mulheres para que continuem levantando a voz, poderemos reduzir esse prazo. EFE
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