Beijos no Ramadã podem ser punidos por lei no Marrocos
Javier Otazu.
Rabat, 24 mai (EFE).- O Marrocos - assim como vários países de maioria muçulmana - vive neste mês o Ramadã, e isso faz com que tudo fique mais delicado, inclusive beijos na boca, que podem ser punidos por lei.
Nas últimas duas semanas, dois casos geram polêmica no país. O primeiro, mais conhecido, foi protagonizado por duas atrizes marroquinas. Na terça-feira passada, Lubna Azabal e Nisrin Erradi se beijaram na frente de dezenas de fotógrafos em Cannes.
Na França para a exibição de "Adam", da diretora Maryam Touzani, as duas estrelas do filme talvez não imaginassem as consequências do gesto, que no festival teria passado como algo inofensivo, mas que no Marrocos ganhou categoria de escândalo.
Azabal, de 45 anos e com uma longa carreira, sentiu, então, a necessidade de publicar um vídeo no dia seguinte pedindo desculpas a "todas as pessoas (que se sentiram) ofendidas".
"Não quis chocar nem ferir ninguém neste mês do Ramadã", disse Azabal, que ressaltou que aquele foi "um beijo ingênuo" e de afeto em alguém que ela disse considerar como uma irmã.
Mas o que o Ramadã tem a ver com a história? A razão é que o mês de jejum não é só um tempo de piedade e oração, mas também um período para aumentar o pudor e o recato.
Uma colunista do portal "Le360", por exemplo, contou recentemente que no primeiro dia do Ramadã fazia muito calor e ela desceu do seu apartamento para colocar o lixo na rua com uma regata. Dois jovens passaram e gritaram: "Estamos jejuando. Cubra-se!".
A segunda história de carícias no Ramadã também ganhou os noticiários, mas pode acabar pior. No último dia 15, um casal estava se beijando dentro do carro, na saída de uma cidadezinha no sul do país, perto de Guelmim.
Uma patrulha da Gendarmaria Real do Marrocos passou e observou um movimento suspeito de corpos dentro do carro. Era dia e no Ramadã a abstinência também inclui sexo e todas suas variantes, incluindo beijos.
O casal, que não era casado, foi levado para prestar depoimento. O relatório do interrogatório, ao qual a Agência Efe teve acesso, insistia na religião dos envolvidos e isso não é pouco.
De acordo com o artigo 222 Código Penal do Marrocos, "o muçulmano que infrinja o jejum" - de comida, bebida ou sexo - no período diurno pode ser punido com até seis meses de prisão.
Naturalmente, o artigo detalha que a quebra deve ser "ostensiva" e "em local público", requisitos que um casal escondido em um veículo não cumpre.
Talvez por essa razão, o promotor de Guelmim tenha sido magnânimo e não apresentará acusações por infração do Ramadã, mas sim por "incitação à depravação", também castigável pelo Código Penal (artigo 502), com penas de um mês a um ano de prisão.
A imprensa marroquina, no entanto, tratou o caso durante vários dias como uma infração ao jejum do mês sagrado, acusando o casal com um ímpeto moralizador mais rígido do que o das próprias instituições.
Assim, parece evidente que as instituições marroquinas - a polícia, o Ministério Público e os juízes - têm mostrado nos últimos anos certa flexibilidade na hora de aplicar o artigo 222 para os que se negam a jejuar, e está mais aberta do que a sociedade, que se mostra mais intolerante.
Será que o Estado perdoa e a sociedade, não? Talvez as atrizes tenham uma ideia da resposta. Afinal, por algum motivo, Lobna Azabal pediu perdão "ao povo marroquino". EFE
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