Evo Morales: "Não pode haver eleições na Bolívia sem democracia"
O ex-presidente da Bolívia Evo Morales, que pediu refúgio à Argentina há quase duas semanas, disse que as futuras eleições no país devem ser justas e livres, mas alertou sobre a necessidade de que alguns de seus aliados que foram presos pelo governo interino que assumiu o poder após sua renúncia serem libertados antes do pleito.
"Não pode haver eleições sem democracia", afirmou Evo em entrevista concedida à Agência Efe em Buenos Aires.
Depois de renunciar ao cargo denunciando ser vítima de um golpe de Estado, Evo Morales afirmou que a solução para a crise na Bolívia passa por uma "política de reconciliação".
No entanto, ele considera a aproximação com o governo interino como improvável, devido a uma perseguição que, segundo ele, vem sendo promovida por sua sucessora, a senadora Jeanine Áñez.
Candidato de união
"Dizer 'fora Jeanine' já é traição e motivo de processo. Conversar com Evo já é traição, processo e prisão. Levantar a voz contra qualquer ministro já é traição. Algum especialista disse que esse governo de Añez, (Luis Fernando) Camacho e (Carlos) Mesa é pior que a ditadura militar", afirmou.
No próximo domingo, Evo Morales, alvo de um mandado de prisão expedido pelo Ministério Público da Bolívia a pedido do novo governo, comandará em Buenos Aires uma reunião de líderes do seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), para organizar a escolha de um candidato à presidência.
Ele, que tentou o quarto mandato consecutivo em uma eleição considerada fraudulenta pela oposição, pela Organização de Estados Americanos (OEA) e vários países da América Latina, não será candidato.
"Vamos publicar uma convocação para o encontro nacional, que será realizado na Bolívia ou na Argentina, e de lá sairá o candidato", explicou Evo, escolhido pelo partido como coordenador de campanha.
Disputam o posto de substituto de Evo Morales os ex-chanceleres Diego Pary, que também está na Argentina, e David Choquehuanca, o ex-ministro da Economia Luis Arce, definido por ele como "grande arquiteto do crescimento nacional", e o jovem político Andrónico Rodríguez, conhecido como "Evito".
Sem dar detalhes sobre a data em que será escolhido o candidato do MAS ou sinalizar preferência entre um dos nomes cotados, o ex-presidente destacou que o partido elegerá um candidato de união que vencerá as eleições.
"(As eleições) têm que ser justas, livres e não deve haver presos políticos", frisou.
EUA, golpe e lítio
Pressionado pelas Forças Armadas, em meio a protestos nas ruas e acusações de fraude por parte da oposição, Evo Morales renunciou após a divulgação de um relatório da OEA que indicava a existência de "graves irregularidades" nas eleições realizadas em outubro. O agora ex-presidente foi declarado vencedor em primeiro turno.
"O que aconteceria se não renunciasse? Me matariam?", questionou o ex-presidente sobre a pressão do Exército, defendendo a decisão de deixar o poder para evitar que "policiais amotinados" cometessem um "massacre".
"Agora, com algo semelhante a um genocídio, não há investigados. Como é possível entender isso? Se há algo que eu não fiz foi usar a polícia e as Forças Armadas contra o povo", completou.
O ex-presidente se referia às denúncias feitas pela Defensoria do Povo da Bolívia, que afirma que 35 pessoas foram mortas desde as eleições por disparos feitos por policiais e militares.
Evo Morales negou ter fraudado as eleições e acusou os Estados Unidos de estarem por trás de um golpe de Estado. Segundo o líder do MAS, os americanos nunca "perdoaram" o desenvolvimento da indústria boliviana do lítio, controlada pelo governo e fora da esfera de influência da Casa Branca.
Ele também atacou a OEA e afirmou que, caso o relatório que denunciava "graves irregularidades" não fosse divulgado, não haveria tanta "convulsão social" na Bolívia. Evo também falou sobre as atas eleitorais citadas pela organização como prova da manipulação.
"Se entregamos esses votos ao opositor, também ganhamos em primeiro turno. Que nos digam onde houve fraude", exigiu.
Pela pátria, não pelo dinheiro
No último dia 11 de novembro, Morales viajou ao México, onde permaneceu asilado por um mês, para ficar mais perto da Bolívia. A viagem para a Argentina ocorreu em 12 de dezembro, depois da posse de Alberto Fernández, a quem pediu refúgio.
Morales ainda aguarda que seu pedido de refúgio seja aprovado pelo governo de Fernández, mas já ouviu do novo governo da Argentina que o status o protegerá de qualquer pedido de extradição apresentado pelo governo interino da Bolívia.
"Do que me acusa esse governo? De terrorismo, de insurreição, que são temas políticos. Nunca vão me acusar de corrupção. Cheguei à presidência pela pátria, não pelo dinheiro", afirmou.
Voltar é questão de tempo
O mandado de prisão expedido na Bolívia é, segundo Evo Morales, "totalmente ilegal e inconstitucional". Ele considera que continua a ser presidente porque sua renúncia não foi aprovada na Assembleia Legislativa (não houve sessão para votá-la).
Perguntado sobre o momento em que voltará ao país, considerando o risco de ser preso, Evo respondeu que é apenas uma "questão de tempo".
"Há tantas propostas e tantos caminhos para analisarmos oportunamente por onde voltaremos", disse.
Apesar de a Constituição boliviana limitar que os presidentes do país só possam ter dois mandatos consecutivos, Evo buscava o quarto no pleito realizado neste ano graças a uma controversa decisão do Tribunal Constitucional.
Há algumas semanas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos principais aliados de Evo Morales, disse que houve um golpe de Estado na Bolívia, mas ressaltou que o grande erro do líder do MAS foi tentar um quarto mandato.
"Pode ter sido, mas não foi eu que busquei. Sindicatos, trabalhadores e diversos setores sociais pediram que eu continuasse sendo candidato para continuar garantindo o crescimento econômico e as melhorias sociais", justificou-se.
"Você não busca o cargo, é o cargo que te busca", concluiu.
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