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Alavancado pelo voto rural, Castillo escancara abismo que divide o Peru

12/04/2021 22h43

Fernando Gimeno.

Lima, 12 abr (EFE).- A ascensão do candidato de extrema esquerda Pedro Castillo ao primeiro lugar no primeiro turno das eleições presidenciais do Peru simboliza o abismo que desde tempos coloniais divide a capital peruana, Lima, da população rural dos Andes, tradicionalmente marginalizada e discriminada.

Castillo, um professor escolar e sindicalista que disputará o segundo turno com Keiko Fujimori, segundo a apuração parcial, foi alavancado às eleições presidenciais pela população andina cansada das elites que, salvo raras exceções, a excluiu da capital.

O fenômeno chamado em Lima como "Peru profundo" levantou a voz sob a forma de um voto a favor de um candidato praticamente desconhecido dos residentes da capital, que se lembram vagamente dele por ter liderado uma greve de professores na cidade há quatro anos, o que paralisou as aulas durante três meses.

Enquanto Castillo nem sequer se encontra entre os quatro candidatos mais votados em Lima, o representante do partido socialista e marxista Peru Livre foi o primeiro colocado em 16 dos 26 distritos eleitorais do Peru, de acordo com a contagem realizada pelo Instituto Ipsos.

IMPULSIONADO PELO CAMPO.

O apoio a Castillo tem sido esmagador nas regiões andinas onde a maioria da população é rural e pobre, como Apurímac, Huancavelica e Ayacucho, onde obteve mais de 50% dos votos.

Na região norte de Cajamarca, sua terra natal, Castillo foi o principal candidato, com cerca de 40% dos votos, porcentagem bem semelhante à da região amazônica de Madre de Dios, que faz fronteira com Brasil e Bolívia e que tem uma grande população que emigrou dos Andes.

Ele também foi o mais votado nas regiões sulistas de Arequipa, Cusco e Puno, à frente dos candidatos favoritos nascidos e identificados com esses departamentos como o economista Hernando De Soto (direita neoliberal), Verónika Mendoza (esquerda) e Yonhy Lescano (centro-esquerda), respectivamente.

A adversária mais provável no segundo turno, Keiko Fujimori, filha e herdeira política do ex-presidente Alberto Fujimori, recebeu o maior número de votos em oito dos 26 distritos, apenas metade do que Castillo, mas nos mais urbanos, onde há grandes cidades e maior densidade populacional.

DESCONHECIDO NA CIDADE.

"De onde veio Castillo?" foi a pergunta mais repetida nesta segunda-feira em Lima, cidade cujos bairros mais ricos tendem a viver de costas para os Andes e a população rural, apesar do fato de a área montanhosa começar assim que se deixa a cidade na Estrada Central, a única pavimentada que liga Lima ao centro do país.

No entanto, o profundo descontentamento do voto rural andino, um eleitor cujo perfil é de esquerda, já se refletiu há pouco mais de um ano nas eleições legislativas extraordinárias.

Muitos deles são peruanos que, até meio século atrás, viveram quase sem serem considerados cidadãos e que, sem a consolidação da reforma agrária de 1969, foram as grandes vítimas do sanguinário Sendero Luminoso, grupo maoísta que desencadeou um conflito armado interno (1990-2000) em uma tentativa de imitar a revolução chinesa no Peru.

Nas eleições realizadas em 2020 houve um avanço claro quando o voto rural andino se concentrou nos ultranacionalistas radicais da União pelo Peru (UPP), no partido messiânico e agrário Frente Popular Agrícola do Peru (Frepap) e, em menor medida, também na Frente Ampla de esquerda.

Esses votos foram aglutinados por Castillo, uma figura rural com a qual podem se identificar amplamente e com propostas que prometem mais igualdade entre os peruanos e mais investimento na saúde e na educação, algo que é de difícil acesso para a população rural.

Tudo foi feito em tempo recorde, uma vez que a candidatura começou a crescer apenas duas semanas antes da votação, altura em que deixou de ser considerada nas pesquisas no grupo dos "outros" para ocupar o primeiro lugar nas preferências.

"A TOMADA DE LIMA"

A ascensão de Castillo também revela uma fratura entre a esquerda de Lima e a esquerda dos Andes. O professor e sindicalista ganhou com o seu discurso mais retrógrado a queda de braço para captar os votos de Verónika Mendoza, líder da esquerda progressista.

O campo peruano virou as costas para uma proposta inclusiva como a de Mendoza, em grande parte porque esse setor não concorda com a legalização do aborto e do casamento igualitário promovido pela esquerda em Lima.

Não é por acaso que a campanha de Castillo, que terminou na quinta-feira passada, foi apelidada pelos apoiadores de "a tomada de Lima", evento em que o candidato percorreu a cavalo pelo centro antigo da capital peruana, uma metáfora para o migrante que chega do campo à cidade.

Esta "tomada de Lima" também se reflete com entre 28 e 30 parlamentares no próximo Congresso, o que tornaria o Peru Libre a maior presença no Congresso, embora tenha de chegar a acordos para dar estabilidade ao governo.

Olhando para o segundo turno, a questão é se o discurso radical de Castillo será suficiente para que ele chegue à presidência, pois enfrentará uma Keiko Fujimori que terá o legado do pai, mas enfraquecida pelas acusações de corrupção que podem levá-la aos tribunais. EFE

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