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Câmara aprova PEC dos gastos em 2o turno com menos votos do que no 1º turno

26/10/2016 02h06

Por Maria Carolina Marcello

BRASÍLIA (Reuters) - A Câmara dos Deputados concluiu na madrugada desta quarta-feira a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece um limite para os gastos públicos, mas o placar com menos votos favoráveis à proposta do que em sua primeira votação frustrou a demonstração de força que o governo queria dar no Congresso.

Aprovada em um segundo turno de votação, a PEC, prioritária para o governo em seu esforço para ajuste das contas públicas, segue para o Senado, com previsão de ter sua tramitação concluída até meados de dezembro.

A votação da medida na Câmara demonstrou certo conforto numérico a favor do Planalto --o texto principal da proposta, por exemplo, contou com 359 votos contra 116, superando os 308 necessários para a aprovação do texto.

Mas não correspondeu às expectativas iniciais do governo do presidente Michel Temer, que trabalhava para obter votação superior à obtida na votação em primeiro turno do texto-base, quando obteve 366 votos a favor.

O placar do primeiro turno registrava apenas um a menos do que o verificado na votação da abertura do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, em abril.

Segundo o líder do governo, André Moura (PSC-SE), a diminuição dos votos favoráveis à proposta pode ser justificada pela ausência de alguns parlamentares, que estão em viagens internacionais. O líder argumentou ainda que havia deputados doentes e outros que faltaram por conta do segundo turno das eleições municipais, marcado para o domingo.

"Tivemos alguns deputados que estavam doentes, outros em missão oficial e alguns não puderam vir em razão das eleições de domingo. Mesmo assim, mais uma vez, a base governista provou que é coesa e que luta até o fim para a retomada do crescimento do Brasil", disse o líder a jornalistas.

Para Moura e para um importante interlocutor no Palácio do Planalto, o resultado ficou "dentro da margem de erro". No Planalto, a avaliação oficial é que o resultado indica um consenso sólido sobre o rumo a ser seguido pelo país, segundo o porta-voz da Presidência da República, Alexandre Parola.

Outro líder da base, no entanto, admitiu que houve pressão popular sobre integrantes da base no intervalo entre as votações do primeiro e do segundo turno.

OBSTRUÇÃO

Ainda que tenha aprovado a PEC com uma margem superior ao mínimo necessário de 308 votos, o governo teve trabalho para aprovar a proposta. A oposição lançou mão de instrumentos regimentais para protelar a análise do mérito da matéria, em uma ação anunciada de obstrução.

Ao mesmo tempo, nas galerias, algumas dezenas de manifestantes chegaram a interromper a sessão com palavras de ordem como "ô deputado, preste atenção, você foi eleito com o voto do povão" e "um, dois, três, quatro, cinco, mil, ou para essa PEC ou paramos o Brasil".

Visivelmente incomodado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), suspendeu a sessão e determinou a retirada dos manifestantes. Pelas regras do regimento, a galeria não pode se manifestar e nem interferir nas falas dos parlamentares com vaias ou aplausos.

Aproximadamente dez minutos depois, Maia retomou a sessão sem expulsar os que protestavam, sob o compromisso de ficassem em silêncio.

Para os manifestantes e a oposição, a PEC reduz proporcionalmente os recursos destinados a áreas críticas como a saúde e a educação.

Além disso, argumentam, a PEC limita a liberdade de governos futuros de desenvolverem sua política econômica. A proposta restringe o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior, estabelecendo um limite por 20 anos para o avanço das despesas primárias, com possibilidade de alteração no índice de correção a partir do 10º ano de vigência da medida.

"Dizem que essa PEC é uma revolução... Esse ajuste fiscal que está sendo feito penaliza os de baixo, não mexe na despesa financeira da dívida, não mexe em nada, só corta daqueles que precisam das políticas públicas implementadas pelo governo", criticou o vice-líder da minoria, José Guimarães (PT-CE), ex-líder do governo Dilma Rousseff.

Já para governistas e para o relator da proposta, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), as contas públicas chegaram a tal ponto de descontrole que é necessário disciplinar os gastos por um período.

Para rebater as críticas da oposição e garantir que a proposta contaria com o apoio de integrantes da base em pleno período de eleições municipais, Perondi alterou a PEC original e estabeleceu o ano de 2017 como base para o cálculo do piso para as duas áreas, e não mais 2016, como anteriormente previsto, em uma tentativa de elevar o ponto de partida para os investimentos nos dois setores.

O texto prevê ainda que no caso da saúde haverá a incidência do percentual de 15 por cento da receita corrente líquida do ano de 2017, conforme dita a Constituição. A partir de então, a correção será pela inflação medida pelo IPCA.

A PEC ainda estabelece que recursos de complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), do Salário Educação e despesas com o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) não entram nem na base nem nos limites do novo regime. Os royalties destinados ao setor também ficam de fora do cálculo do piso.

PRÓXIMOS PASSOS

Por se tratar de uma PEC, o texto também precisa ser submetido a dois turnos de votação no plenário do Senado. Antes disso, precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa.

Antes mesmo de a Câmara concluir a votação do segundo turno da proposta, senadores acertaram um calendário. A previsão, segundo esse plano de trabalho, é que a PEC terá sua tramitação concluída no Senado em 13 de dezembro e, segundo fontes do Planalto, o Palácio já atua para garantir que a votação ocorra dentro do prazo previsto no calendário.

Mas toda essa previsão, acertada na semana passada, pode ser contaminada por uma outra polêmica, dessa vez envolvendo o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Renan tem dado declarações duras contra ação autorizada pela Justiça Federal do Distrito Federal que resultou na prisão de quatro policiais legislativos na última sexta-feira. Na segunda-feira, chegou a referir-se ao magistrado que autorizou a ação, Vallisney de Souza Oliveira, de "juizeco", gerando uma troca de farpas entre representantes dos três Poderes.

Na última delas, sinalizou que uma conversa entre representantes dos três Poderes, prevista para a quarta-feira, pode "ajudar na manutenção" do calendário da PEC. A assessoria da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, informou que a agenda da ministra está cheia e que ela não poderia participar do encontro.