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Fidel Castro morre aos 90 anos em fim de uma era para a América Latina e para o mundo

26/11/2016 18h25

Por Nelson Acosta

HAVANA (Reuters) - Fidel Castro, uma lenda da esquerda revolucionária que governou Cuba por quase meio século, morreu na sexta-feira aos 90 anos, marcando o fim de uma era para a América Latina e para o mundo.

Seu irmão e presidente Raúl Castro anunciou a morte do veterano ex-guerrilheiro marxista em uma mensagem transmitida neste sábado na televisão estatal, sem divulgar a causa da morte.

A morte de Fidel deixa a esquerda latino-americana órfã de sua principal referência, apesar dele ter deixado o poder em julho de 2006, depois que uma doença intestinal o obrigou a ceder o comando de Cuba a Raúl. Detalhes sobre sua saúde nunca foram revelados.

"Com profunda dor compareço para informar o nosso povo (...) que hoje, 25 de novembro de 2016, às 10h29 da noite, morreu o comandante-chefe da Revolução Cubana, Fidel Castro Ruz", disse Raul Castro, vestido de verde oliva, na mensagem bastante sóbria lida e divulgada pela mídia estatal.

Raúl, que se despediu com a famosa saudação revolucionária "hasta la victoria siempre", disse que restos de seu irmão serão cremados e descansarão em Santiago de Cuba, cumprindo os seus desejos.

Da China aos Estados Unidos, passando pelo Brasil, Venezuela e Vaticano, líderes de todo o mundo enviaram pêsames pela morte de Fidel, ícone da Guerra Fria que desafiou Washington ao erigir uma fortaleza comunista a 150 quilômetros do litoral norte-americano.

O presidente dos EUA, Barack Obama, que encenou uma aproximação sem precedentes com Cuba, enviou uma mensagem de condolências ao povo cubano, dizendo que "a história vai registrar e julgar o enorme impacto dessa figura singular em seu povo e em todo o mundo".

No entanto, o presidente-eleito dos EUA, o magnata republicano Donald Trump, reagiu de forma mais agressiva no que pode ser um prelúdio para uma nova era de hostilidades entre os antigos inimigos ideológicos.

"Embora não se possa apagar as tragédias, as mortes e a dor causadas por Fidel Castro, o nosso governo fará tudo o que puder para garantir que o povo cubano possa finalmente começar a sua jornada rumo à prosperidade e à liberdade", disse Trump em comunicado.

Seu vice-presidente foi ainda mais longe, chamando Castro de ditador e garantindo que após a sua morte virá "um novo amanhecer de esperança".

SORRISOS E LÁGRIMAS

As ruas estavam quietas e tranquilas em Havana. Alguns moradores reagiram com tristeza à notícia sobre a morte de Fidel.

O governo cubano declarou nove dias de luto e anunciou que as homenagens começarão na segunda-feira com uma cerimônia em que os cubanos poderão se despedir de Fidel. As honrarias incluem um comício na Praça da Revolução e terminarão com o envio de suas cinzas para Santiago de Cuba para descanso.

Em Miami, onde vivem milhares oposicionistas exilados do governo comunista da ilha, uma multidão comemorou com bandeiras cubanas, dançou, bateu em panelas e soou buzinas de carros.

"O mundo inteiro vai se lembrar desse homem, pois ele chegou onde ninguém chegou no mundo", disse com tristeza o cubano Duncy Fajardo nas ruas de Havana.

Fidel, líder carismático e implacável que fez de sua barba, o uniforme verde oliva de guerra e os charutos suas marcas registradas, entrou para o cerne da geopolítica mundial quando se aliou a Moscou pouco após descer em 1959 das montanhas de Sierra Maestra para derrubar o ditador Fulgencio Batista.

Fidel foi venerado por milhares de simpatizantes de esquerda, mas governos como os dos EUA e os exilados cubanos que fugiram do país após a revolução o acusavam de tirano.

"O homem que decidiu cada detalhe da Cuba em que nasci e me criei não existe mais. Uma estranha leveza se estende por toda a ilha", disse a blogueira oposicionista Yoani Sanchez.

O desaparecimento do líder revolucionário dificilmente implicará em uma grande mudança no sistema socialista que ele construiu em Cuba, onde seu irmão adotou reformas para modernizar a economia em depressão e iniciou um processo para restaurar os laços diplomáticos com Washington depois de mais de cinco décadas de hostilidades. Fidel Castro pareceu apoiar timidamente essas decisões.

Ainda não está claro qual será a política do novo presidente dos EUA para Cuba, um país sobre o qual Washington mantém há mais de meio século um ferrenho embargo comercial. Trump se mostrou muito crítico ao governo dos Castro durante sua campanha eleitoral.

"O COMANDANTE"

A morte de Fidel Castro simboliza o fim de uma era em um país onde 70 por cento da população nasceu depois da revolução de 1959, sem conhecer, portanto, outro líder que não "o Comandante".

O próprio Castro fez referência à proximidade de sua morte, no último discurso que fez em 19 de abril durante o encerramento do 7o Congresso do Partido Comunista de Cuba, quando disse: "Logo, logo eu terei 90 anos. Nunca me havia ocorrido tal ideia e nunca foi resultado de um esforço, foi puro acaso."

"Nossa vez chega a todos, mas ficam as idéias dos comunistas cubanos (...) a nossos irmãos da América Latina e do mundo devemos transmitir que o povo cubano vencerá", disse Fidel diante dos delegados do congresso. "Talvez seja uma das últimas vezes que eu fale nesta sala", disse ele.

A morte de Fidel encerra um capítulo na História, embora seu legado seja sempre motivo de debate entre aqueles que o elegeram como o líder dos oprimidos que lutou incansavelmente contra Washington com discursos inflamados e até mesmo com armas; e aqueles que o acusaram de ser um tirano que só buscou o poder.

Ainda doente e nos bastidores, Fidel Castro continuou sendo uma figura influente em Cuba e foi a inspiração para uma nova geração de líderes de esquerda na América Latina, como o falecido presidente venezuelano Hugo Chávez e o presidente boliviano Evo Morales.

"Fidel Castro foi um exemplo de luta para os povos do mundo. Seguimos adiante com seu legado", disse o presidente da Venezuela Nicolás Maduro, ao canal venezuelano Telesur. Já o presidente brasileiro Michel Temer, afirmou que Fidel foi um "líder de convicções", marcando a segunda metade do século 20 "com a defesa firme das ideias em que acreditava". Enquanto o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva disse morreu "o maior líder de todos os latino-americanos".

Fidel permaneceu fiel à sua ideologia mesmo após a queda do comunismo soviético, sendo uma figura respeitada em muitos lugares por sua luta contra o colonialismo. Nelson Mandela, após sair da prisão, chegou a agradecê-lo várias vezes por seus esforços para enfraquecer a segregação racial na África do Sul.

Em algumas embaixadas de Cuba na América Latina, grupos de pessoas se reuniram para prestar homenagem a Fidel Castro. Na Cidade do México, as pessoas acenderam velas e flores, e na capital do Chile, Santiago, cantaram músicas do cantor e poeta Silvio Rodriguez e agitaram bandeiras de Cuba e do Partido Comunista.

"Minhas profundas condolências à sua família, ao povo de Cuba, ao mundo e a todo o universo pela perda de um dos mais extraordinários seres humanos de todos os tempos", disse em seu blog Silvio Rodriguez, um dos maiores expoentes da nova poesia cubana, que nasceu inspirada pela revolução de Castro.

NOVA GERAÇÃO?

A morte de Fidel ocorre em meio a um lento processo de mudanças diplomáticas e econômicas empreendidas por seu irmão Raúl, com quem ele prometeu modernizar a ineficiente economia centralizada sem tirar Cuba do caminho socialista.

E é por isso que os analistas acreditam que a morte de Fidel dificilmente representa uma grande mudança política na ilha.

"Eu não acho que a morte de Fidel seja o grande teste. O desafio será transferir as rédeas da revolução para a próxima geração, o que vai acontecer quando Raúl deixar o cargo", disse Phil Peters, um especialista do Instituto Lexington, em Washington.

Raúl, um general de 85 anos, também enfrenta a difícil tarefa de eleger um sucessor em uma paisagem política ainda dominada por seus velhos companheiros de armas.

Ele sugeriu limitar a permanência em cargos políticos a um máximo de 10 anos, embora mantenha o Partido Comunista como a única força política legal em Cuba.

A influência de Fidel Castro se estendeu muito além da ilha de 11 milhões de habitantes. Era um símbolo para os esquerdistas de todo o mundo, que admiravam o sistema de educação e saúde pública construído na ilha.

Já os críticos consideravam Fidel um ditador que prendeu seus oponentes e arruinou Cuba com o socialismo.

"É uma notícia muito triste. Acabo de saber. Para todos em Cuba e fora de Cuba é lamentável a sua morte", disse o cubano Luis Martinez, visivelmente contrariado, em uma avenida central do bairro de El Vedado, em Havana.

(Com reportagem adicional de Fabián Cambero em Santiago e Henry Romero na Cidade do México)