Mulheres brasileiras protestam contra projeto de lei que endurece proibição ao aborto

Por Dani Morera Trettin e Amanda Perobelli

SÃO PAULO, 15 Jun (Reuters) - Milhares de mulheres protestaram neste sábado contra um projeto de lei que avança no Congresso Nacional que equipara o aborto após 22 semanas de gravidez a homicídio e estabelece penas de 6 a 20 anos de prisão.

Os manifestantes marcharam pela Avenida Paulista carregando faixas rejeitando a proposta, que chamam de abordagem mais repressiva aos direitos reprodutivos das mulheres em décadas.

Pessoas de todas as idades, incluindo muitos aposentados e crianças, encheram as ruas gritando: "Criança não é mãe, estuprador não é pai".

O aborto é permitido no Brasil apenas em casos de estupro, deformação fetal ou quando a vida da mãe estiver em perigo. Se o projeto de lei apoiado por parlamentares evangélicos se tornar lei, os abortos realizados por vítimas de estupro seriam considerados homicídio após 22 semanas de gestação.

Grupos feministas criticaram a legislação proposta por impor penas mais severas do que as aplicadas aos estupradores no Brasil, argumentando também que as mudanças afetariam principalmente as crianças abusadas por familiares.

Estas crianças, muitas vezes sem compreensão ou apoio para se reconhecerem como vítimas de crimes, frequentemente descobrem a gravidez tardiamente.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva qualificou neste sábado o projeto como "insanidade" e disse que seu governo defenderá as leis atuais que punem os estupradores e tratam suas vítimas com respeito.

"Eu acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher com uma pena maior do que o criminoso que fez o estupro. É no mínimo uma insanidade isso", declarou ele, em entrevista coletiva após a cúpula do G7, na Itália.

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Os protestos começaram na quinta-feira nas maiores cidades do Brasil depois que a Câmara dos Deputados aprovou urgência do projeto, o que restringe o debate sobre a proposta.

Confrontado com críticas de que as vítimas de estupro que procuram abortar poderiam enfrentar penas piores do que os estupradores, o autor do projeto de lei, Sostenes Cavalcante (PL-RJ), disse que irá propor penas mais duras para o estupro, que atualmente prevê um máximo de 10 anos de prisão.

Cavalcante é pastor evangélico e membro do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A reação irada nas redes sociais pode retardar o andamento do projeto de lei, já que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não planeja mais colocar a proposta em votação no plenário tão cedo e espera que seu texto seja alterado, disse uma fonte de seu gabinete.

A aprovação é ainda menos certa no Senado, onde os senadores de direita têm menos influência, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o projeto deve ser debatido em comissões.

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, criticou o projeto e disse nas redes sociais: "O Congresso poderia e deveria trabalhar para garantir as condições e a agilidade no acesso ao aborto legal e seguro pelo SUS".

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Uma legislação restritiva sobre o aborto pode levar mulheres que procuram interromper a gravidez a recorrer a abortos ilegais e inseguros e procedimentos mal sucedidos, que causam dezenas de mortes todos os anos.

(Reportagem de Dani Morera Trettin e Amanda Perobelli em São Paulo, Lisandra Paraguassu e Marcela Ayres em Brasília)

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