Cargo de presidente pode ficar em perigo após tentativa de lei marcial na Coreia do Sul
A chocante declaração de lei marcial do presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, no final da noite levou anos de confrontos com opositores internos, com a mídia e até mesmo com seu próprio partido conservador ao ápice, colocando em dúvida o seu futuro político.
Ele prometeu reverter a ordem apenas poucas horas depois, após o Parlamento, incluindo alguns membros de seu próprio partido, ter votado para bloqueá-la.
Yoon conseguiu vencer a eleição presidencial mais apertada da história da Coreia do Sul em 2022, em meio a uma onda de descontentamentos com a política econômica, escândalos e guerras de gênero, remodelando o futuro político da quarta maior economia da Ásia.
Ele foi acolhido pelos líderes do Ocidente como um parceiro no esforço liderado pelos EUA para unificar as democracias contra o crescente autoritarismo na China, na Rússia e em outros lugares.
No entanto, mesmo ao falar sobre uma política externa de valores democráticos compartilhados, Yoon foi alvo de acusações cada vez maiores de ser uma liderança autoritária em seu país, e os temores de repressões mais severas já se espalhavam por algum tempo.
Durante sua audiência de confirmação como ministro da Defesa em setembro, Kim Yong-hyun, então chefe da segurança presidencial de Yoon, negou sugestões dos parlamentares da oposição de que sua nomeação fazia parte dos preparativos para declarar a lei marcial.
Um porta-voz de Yoon não respondeu a várias ligações telefônicas.
A decisão de Yoon ocorre em um momento em que a Coreia do Sul tenta reforçar sua posição antes da posse, em 20 de janeiro, do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, que entrou em conflito com o antecessor de Yoon sobre comércio e o pagamento por tropas norte-americanas posicionadas na Coreia do Sul.
"Para um presidente que se concentrou tanto na reputação internacional da Coreia do Sul, isso faz com que a Coreia do Sul pareça muito instável", disse Mason Richey, professor da Universidade Hankuk de Estudos Estrangeiros em Seul. "Isso terá um efeito negativo sobre os mercados financeiros e cambiais e sobre a posição diplomática da Coreia do Sul no mundo."
Um diplomata ocidental, falando sob condição de anonimato para discutir políticas sensíveis, afirmou que a declaração de lei marcial complicaria as conversas sobre a adesão da Coreia do Sul a mais esforços diplomáticos multinacionais.
Jenny Town, do think tank Stimson Center, com sede nos EUA, disse que a medida parecia "desesperada e perigosa" e poderia significar o início do fim da presidência de Yoon.
"Ele já era impopular, mas essa pode ser a gota d'água para dar andamento ao processo de impeachment", afirmou.
Erosão da democracia
A democracia na Coreia do Sul deu um passo para trás desde que Yoon assumiu o cargo, segundo o Instituto Variedades da Democracia da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, citando processos judiciais contra figuras associadas ao governo anterior e ataques à igualdade de gênero e à liberdade de expressão, em um relatório anual em março.
Yoon respondeu às críticas dizendo que eram notícias falsas, entrando com mais processos de difamação do que outros presidentes recentes e, em alguns casos, restringindo o acesso à mídia.
Durante o governo de Yoon, a Coreia do Sul caiu da 47ª para a 62ª posição no índice global de liberdade de imprensa divulgado neste ano pela organização Repórteres Sem Fronteiras.
Em alguns casos, ele alegou que forças "pró-Coreia do Norte" ou "antiestatais" estavam por trás das críticas contra ele — uma linguagem que ele usou nesta terça-feira para justificar sua ordem de lei marcial.
"As forças do totalitarismo comunista se disfarçaram de ativistas da democracia, defensores dos direitos humanos e ativistas progressistas", disse Yoon em um discurso no ano passado.
O governista conservador Partido do Poder Popular sofreu uma grande derrota nas eleições gerais de abril, quando o Partido Democrático da Coreia, principal partido de oposição, conquistou 175 das 300 cadeiras da Assembleia Nacional.
O Partido Democrático, que esta desalinhado com seu líder condenado por violações da lei eleitoral e enfrentando acusações de corrupção, entrou em conflito com Yoon em relação ao Orçamento e às investigações sobre a esposa de Yoon e autoridades de alto escalão.
Em novembro, Yoon negou ter cometido irregularidades em um escândalo de tráfico de influência envolvendo ele e sua esposa, o que fez com que seus índices de aprovação atingissem uma baixa recorde.
Yoon também adotou uma linha dura contra os sindicatos trabalhistas e médicos grevistas que se opõem a um grande plano de reforma do sistema de saúde que acrescentaria 2.000 estudantes de medicina por ano para suprir o que o governo diz ser uma grave escassez de médicos.
O decreto de lei marcial desta terça-feira ordenou que esses médicos voltassem ao trabalho.
A maneira como Yoon lidou com os escândalos e com a greve dos médicos gerou divergências públicas com Han Dong-hoon, seu antigo confidente e atual líder do Partido do Poder Popular.
Han e o PPP pediram que Yoon revogasse o decreto.
(Reportagem adicional de Ju-min Park em Seul e David Brunnstrom em Washington)