Bandeira da campanha de Bolsonaro, porte de armas divide no Brasil
Luiz Carlos é taxista desde os anos 1990 e adora contar aos passageiros as aventuras que viveu dirigindo seu carro amarelo no Rio de Janeiro. Uma de suas anedotas favoritas é sobre o dia em que um motoqueiro, que queria mais espaço para ultrapassá-lo, veio tirar satisfações durante um engarrafamento em um dos inúmeros tuneis da cidade. “Pensei que ele queria pedir uma informação, mas na verdade queria briga. Só que antes mesmo que ele começasse a reclamar, meu passageiro, que estava no banco de trás, sacou uma pistola enorme e o motoqueiro desapareceu. Nem sei como conseguiu sair do túnel tão rápido”, conta, aos risos.
Mesmo se o taxista se divertiu com a cena, ele parece mais cético quanto ao projeto de Jair Bolsonaro, que pretende facilitar o acesso ao porte de armas se for eleito no próximo domingo (28). “Não é uma boa ideia. Imagine a situação. Qualquer discussão e as pessoas vão se matar”, diz o taxista.
Luiz Carlos diz que vai votar no candidato do PSL, pois afirma estar cansado da corrupção que tomou conta do país. Mas quando o assunto é porte de armas, não defende o ex-militar. Morador de Pavuna, na Baixada Fluminense, uma das regiões com os maiores índices de violência do Rio de Janeiro, o taxista diz que se todos tiverem uma arma, ninguém mais vai se sentir seguro. “Se eu tiver armado e entrar um bandido no meu táxi, ele vai saber que eu também estou armado e vai me matar. Já é assim que eles fazem com os policiais: quando veem o volume do revólver na cintura, atiram”.
Não é o que pensa o analista de logística Lisâneas Spiller. Bolsanarista convicto, esse evangélico defende a proposta do candidato da extrema direita. “Se eu tenho uma arma, posso me proteger caso alguém tente invadir minha residência. Hoje eu não penso em andar armado, mas se puder ter o porte, talvez mude de ideia”, explica. No entanto, Spiller, que também mora na Baixada Fluminense e conhece os índices de violência na região, hesita quando questionado sobre o impacto da medida na vida da população. “Não me sentiria muito seguro sabendo que qualquer indivíduo na rua pode ter uma arma”, pondera.
Mais homicídios dentro de casa
“Essa alegação de Bolsonaro de que o acesso às armas é uma estratégia eficaz na luta contra o crime não se confirma nos estudos sobre o assunto”, aponta Desmond Arias, professor na City University of New York. Especialista em questões ligadas à política e violência na América Latina e Caribe e autor do livro Criminal Enterprises and Governance in Latin American and the Caribbean, ele lembra que nos Estados Unidos, onde vive, e onde o acesso às armas é mais fácil, há um número maior de homicídios entre membros de uma mesma família quando há revólveres em casa. “Manusear uma arma em situação de estresse, como um assalto ou quando alguém invade sua casa é extremamente difícil”, pontua. E muitas vezes a vítima dessa situação pode ser um filho adolescente que volta para casa mais tarde e é confundido com um ladrão, relata o professor.
Consciente de ter lançado um debate sensível, Jair Bolsonaro vem atenuando seu discurso sobre o assunto nos últimos dias. Em entrevista na quarta-feira (24) no Jornal Nacional, o candidato explicou que seu objetivo não é liberar o porte para todos e que as armas não devem ser usadas na rua, mas apenas dentro de casa – mesmo se suas declarações passadas indicavam o contrário. “Ninguém apoia o Estatuto do Desarmamento onde qualquer um possa comprar arma e andar com ela por aí. Não estamos tratando de mudança no tocante ao porte de arma de fogo”, tentou explicar.
Banho de sangue dos anos 1980-90
O candidato fazia alusão ao Estatuto do Desarmamento, documento adotado em 2003 e que, desde 2004, proíbe o porte de armas no Brasil. Para os especialistas em segurança, a legislação foi uma das melhores coisas que aconteceu nos últimos anos no país. “Voltar atrás seria um verdadeiro retrocesso para as conquistas de combate à violência no Brasil nos últimos 20 anos”, analisa Ivan Marques, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, lembrando que, no passado, o simples preenchimento de um formulário era suficiente para a compra de uma pistola, “o que gerou o banho de sangue que foram os anos 1980 e 1990”.
Questionado sobre o número de armas que ainda circulam no país, o especialista explica: “Uma pistola dura entre 70 e 100 anos e todas as pesquisas de rastreamento – das polícias federal ou estaduais – mostram que o Brasil até hoje sofre com as armas que foram vendidas antes de 2003”. Ou seja, o país ainda vive uma herança do período em que o acesso legal estava em vigor. “Mas o estatuto impediu que novas armas entrassem em circulação”.
Marques também lembra das consequências indiretas de um acesso mais fácil ao porte de armas. “O Instituto da Paz já comprovou a ligação entre o mercado legal e o mercado ilegal de armas de fogo. Quanto mais pessoas bem-intencionadas compram uma arma por qualquer razão, seja para proteger sua casa ou sua família, mais essas armas entram no crime, pois as pessoas as perdem ou são roubadas, o que ajuda a alimentar esse poder do crime que todos nós queremos combater”, explica.
Potencial econômico
Outro aspecto que chama a atenção no que diz respeito a uma possível legislação facilitando o acesso às armas é a dimensão econômica dessa medida, que pode motivar alguns interesses comerciais e até políticos. O Brasil é atualmente o quarto maior exportador de armas pequenas e leves no mundo e um dos maiores exportadores de munição. No entanto, desde a entrada em vigor do Estatuto essa indústria perdeu seu mercado interno e tenta se recuperar.
“Desde 2003 a indústria vem financiando candidatos no Congresso Nacional (deputados e senadores) e também prefeitos e governadores para que a legislação seja alterada e que venda de armas no Brasil aumente proporcionalmente”, denuncia Ivan Marques. “Há um grande interesse para que propostas como essa do candidato Bolsonaro prosperem para que nós tenhamos uma regulação mais fraca e que o comércio de armas volte a ser como nos anos 80 e 90”, finaliza
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