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Alemanha celebra memória coletiva nos 30 anos da queda do muro de Berlim

09/11/2019 20h57

A capital alemã recebeu na noite deste sábado (9) uma série de shows, discussões e discursos de autoridades e testemunhas oculares da história num grande palco montado em frente ao Portão de Brandemburgo, marco da separação do país em dois Estados, a partir de 1961, com a construção do muro de Berlim. O evento, que celebrou as três décadas da abertura da fronteira entre Alemanha oriental e ocidental, contou a projeção de imagens de momentos icônicos da história alemã e terminou com uma grande explosão de fogos de artifício, tendo como protagonistas os jovens - entre eles refugiados, ativistas climáticos e estudantes.

Enviada especial a Berlim

Você se lembra o que estava fazendo na noite de 9 de novembro de 1989? A pergunta, que não faz o mínimo sentido para a geração de millenials hiperconectados da geração Z, ecoou neste sábado (9) na capital alemã, 30 anos após a queda do muro de Berlim. A resposta veio no meio dos milhares de berlinenses que vieram prestar sua homenagem à reunificação do país: com placas DDR de metal nas mãos, algumas cabeças já grisalhas sinalizavam as marcas de uma geração que pertenceu à Deutsche Demokratische Republik, também conhecida como República Democrática Alemã (RDA), sede do regime comunista oriental.

Palavras como "revolução pacífica" e "união pelo futuro" foram os motes da festa, que contou com discursos fortes e aplaudidos, como a do prefeito de Berlim, Michael Müller, ou do presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, que não mediu palavras para criticar os Estados Unidos de Donald Trump, solicitando um "respeito mútuo com seus aliados", em detrimento do que chamou de "egoísmo nacional norte-americano".

É que o sonho democrático de 30 anos atrás, sabemos todos, comporta hoje outras fissuras. Tanto o discurso de Steinmeier, espécie de referência moral dos alemães, embora não seja chefe do governo, quanto o do prefeito Müller, evocaram outros fantasmas como o populismo e a instabilidade "gerada por ele".

Discreta e austera como manda o protocolo merkeliano, a chanceler Angela chegou sem fazer barulho e sem escolta de segurança na tribuna de honra para o espetáculo. Natural da Alemanha oriental, ela foi recebida com aplausos e gritos entusiasmados pelos berlinenses da capital, a apenas alguns minutos antes do início da abertura do evento. Cercada de autoridades da ex-RDA, e cobrindo joelhos e pernas com um cobertor, na temperatura inclemente de 7 graus do inverno alemão, Merkel permaneceu na tribuna até quase o final da festa e acompanhou sinfonias de Beethoven e Mahler.

A chanceler esteve acompanhada durante todo o sábado dos presidentes da Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia, países que ajudaram a preparar o terreno para a queda do muro, embora se encontrem hoje no fogo cruzado das críticas que apontam posturas pouco republicanas ou democráticas, no meio da onda que trouxe a extrema direita de volta pela primeira vez ao Parlamento alemão, depois da Segunda Guerra.

Antes do show no Portão de Brandemburgo, no entanto, Merkel cumpriu uma agenda simbólica importante, bem à maneira do respeito memorial pelo passado (o "devoir de mémoire", em francês, ou o "dever da memória"). A chanceler esteve na Capela da Reconciliação, um dos locais memoriais da divisão da Alemanha pela Cortina de Ferro, e convocou a Europa a defender "liberdade" e "democracia" cada vez "mais contestadas", dentro do calendário de comemorações do trigésimo aniversário da queda do muro de Berlim.

"Os valores que sustentam a Europa, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de direito e a preservação dos direitos humanos são evidentes" e "devem sempre ser defendidos", disse. A Capela da Reconciliação, onde esteve a chanceler, foi construída no terreno de uma antiga igreja destruída pela ditadura comunista da Alemanha Oriental, porque ficava numa área de ninguém, entre as duas partes da cidade.

"Nenhum muro é alto demais para ser atravessado"

"O Muro de Berlim pertence à história e nos ensina que nenhum muro que exclua pessoas e restrinja a liberdade é alto o suficiente ou longo o suficiente para não ser atravessado", disse Angela Merkel, natural da antiga Alemanha Oriental comunista, a RDA, tendo iniciado sua carreira política após a queda do Muro de Berlim. "Isso é verdade para todos nós, do leste e do oeste", disse ela. Merkel colocou uma rosa nas ruínas de um trecho do Muro em um lugar repleto de história sobre a divisão da cidade, a Bernauerstrasse.

Por causa do frio ou por falta de afinidade mesmo com as batidas do hip hop no palco, Merkel partiu antes mesmo do fim do show dos provocativos rappers alemães do Zugezogen Maskulin, como se deixasse o final da festa antes do apogeu jovem que se seguiria. Uma pena, porque a chanceler, que chegou a arriscar a continuidade de sua carreira política para defender a causa dos refugiados em seu país, não chegou a ver o depoimento de uma jovem refugiada, que agradecia ao microfone a "coragem democrática dos alemães", "no passado e no presente".

A noite terminou com um vento gelado e com fogos de artifício que parecem tímidos, para quem já experimentou a profusão performática de um Ano Novo em Copacabana. Nada que não seja compensado, no entanto, pelo testemunho de um povo que, tendo sido capaz de derrubar um muro de concreto e aço há 30 anos, parece continuar disposto a não repetir os erros do passado e a enfrentar qualquer tentativa antidemocrática de segregação.