"O racismo é um problema de todos", diz cofundadora de coletivo de brasileiras negras em Nova York
Ana Paula Barreto, de 35 anos, é uma das cinco fundadoras do Coletivo Kilomba, criado em novembro do ano passado. Ela cresceu no Jardim Ângela, na periferia de São Paulo, e explica que o local é um espaço seguro para as mulheres negras conversarem sobre suas experiências em relação ao racismo, protestos no país e a pandemia do coronavírus.
"O caso do George Floyd, da Claudia Pereira da Silva no Brasil, do Evaldo Rosa, dos meninos de Costa Barros, e também o caso de violência que aconteceu na semana passada na Colômbi,a do Anderson Arboleda. São histórias de violência policial que acontecem todos os dias", diz. "Assistir o vídeo a cada 5 minutos nas TVs é um processo, sim, de traumatizar de novo as pessoas negras, assistindo àquilo."
Junto com Elis Clementine e Fernanda Dias, de Minas Gerais, Marry Ferreira, de São Gonçalo, e Flavia Barbosa, do Vidigal, no Rio de Janeiro, ela organiza rodas de conversa, eventos nas redes sociais, cursos de feminismo negro e periférico e ações para ajudar a comunidade brasileira. O coletivo Kilomba tem cerca de 70 associadas, que moram em diferentes estados americanos.
Explicar por que "vidas negras importam"
"A gente está navegando entre se equilibrar emocionalmente em tempos tão difíceis e lutar pela nossa vida e sobrevivência. Ao mesmo tempo, para muita gente, a gente ainda precisa defender a ideia de por que nossas vidas importam", diz.
Ana Paula enfatiza que a violência policial é uma das formas de racismo encontradas nas sociedades pelo mundo. Outras são a negação ou dificuldade de acesso à saúde, moradia e educação.
"O racismo é um problema de todos", diz, recomendando o trabalho da professora de Estudos Afro-Americanos Carol Anderson, da Universidade Emory. Ana Paula prega que os brancos se eduquem sobre o racismo para se conscientizar sobre o quanto que se beneficiam desse sistema de privilégios. Ela vê com otimismo a tática dos brancos ficarem na linha de frente da polícia nas recentes manifestações que tomaram o mundo para denunciar o problema. Assim, argumenta, usam esse privilégio para proteger os negros, que são os protagonistas e líderes do movimento.
Ela também acredita no poder de transformação desses protestos históricos. "Isso que as pessoas estão vendo é a nossa luta por resistência, e gostaria de dizer que nós vamos vencer essa luta. Uma nova sociedade virá."
Ajuda a brasileiros na pandemia
O Kilomba também organizou uma força-tarefa para ajudar a comunidade brasileira durante a pandemia do coronavírus, principalmente a população negra e sem documentos, que não pode parar na quarentena e ficar sem trabalhar. O coletivo organizou uma cartilha com detalhes sobre acesso a atendimento psicológico, benefícios do governo, fundos emergenciais para indocumentados, artistas e mães, tradução e cestas básicas. Nas rodas de conversa, além de falar sobre o racismo, focam em como cuidar de si mesmas inspiradas na ancestralidade africana, para melhorar a saúde e a imunidade.
Ana Paula se formou em relações internacionais com o apoio do sistema de cotas nas universidades e do Programa Universidade para Todos (ProUni), que oferece bolsas de estudo. Depois, ela trabalhou em agências da ONU como a Unicef em países como o Brasil, Etiópia e Bélgica. Nos Estados Unidos, começou como estudante de pós-graduação, assim como as outras fundadoras do coletivo, e concluiu mestrado em relações internacionais na The New School.
"Um coletivo de mulheres negras nos EUA é um reflexo de políticas públicas de acesso à educação", diz. "Eu sou fruto de políticas públicas que o movimento negro brasileiro levou décadas para conseguir. Mas se eu tivesse nascido dez anos antes ou 15 anos antes, eu, essa mesma pessoa, não teria acesso a tudo o que eu tenho hoje."
Hoje Ana Paula é diretora de programas na ONG AfroResistance, que oferece apoio à comunidade negra latino-americana.
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