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Brasil: reduzir auxílio emergencial atrasa a retomada econômica pós-pandemia

01/07/2020 06h46

Acabar prematuramente com o auxílio emergencial ou diminuir o valor vai atrasar a retomada econômica do Brasil da crise gerada pelo coronavírus, conforme especialistas. O auxílio de R$ 600 foi instaurado a partir de abril pelo governo federal, para garantir a sobrevivência de milhões de brasileiros durante a pandemia de Covid-19, e acelerou a discussão sobre a instauração de uma renda mínima permanente no país.

Para limitar o gasto público, as parcelas do auxílio após agosto serão de valores inferiores: o ministro Paulo Guedes sinalizou com mais dois repasses de R$ 600, até o fim do ano.

A professora Débora Freire é uma das autoras de uma pesquisa de um grupo de economistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre o impacto do fim da renda emergencial na economia: com a ajuda financeira, disponibilizada para 70 milhões de pessoas, o PIB no trimestre cresce 0,44% a mais do que se não houvesse a medida. 

"O auxílio emergencial tem a capacidade de mitigar o impacto recessivo da crise. As famílias que recebem vão gastar com consumo, que cai menos do que cairia se elas ficassem sem renda. As atividades produtivas se ajustam a essa demanda e mantêm empregos, geram investimentos", explica.

"Além disso, o impacto positivo na arrecadação é maior, já que a maior atividade econômica gera mais receita para o governo - e isso é importante considerar na hora de fazer o cálculo do custo fiscal do benefício. Eliminar o benefício agora significaria atrasar a recuperação."

Auxilio garante isolamento social

O pesquisador Marcelo Medeiros, economista especialista em desigualdades da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, ressalta que a manutenção do auxílio até o fim do ano ainda é a principal garantia de medidas de isolamento social, necessária para combater a pandemia e possibilitar que, no futuro, a economia possa começar a retomar. 

"Há um certo consenso entre os economistas que se a epidemia piora, a economia também fica ruim. Portanto, sim, o auxílio tem que ser mantido. É claro que, em algum momento, terá de haver limites, mas não significa que esse limite já foi alcançado", analisa.

"É hora de ter bom senso, porque se não fizermos isso, teremos problemas, além da mortalidade muito alta. Durante uma recessão, você não deve fazer nada que reduza a capacidade de consumo das famílias, nem a produção. Ao contrário, você tem que estimular." 

Renda mínima

A exemplo do que se verificou em vários países do mundo, como na França, o efeito devastador da pandemia na economia, em especial nos trabalhadores informais, acelerou o debate sobre a criação de uma renda básica universal no Brasil, em caráter permanente. A ideia ganha força no Congresso, e poderia se focalizar em um benefício infantil universal, destinado a famílias com crianças.

Para Débora Freire, a proposta precisará avançar já em 2021: a crise do coronavírus escancarou o número exorbitante de trabalhadores excluídos da proteção social no Brasil. "Dada uma tendência já anterior à crise, de precarização do mercado de trabalho, com a flexibilização, a uberização, a robotização, a gente vai ter de olhar para essas pessoas que estão muito vulneráveis. Elas não são tão pobres para receber o Bolsa Família, mas estão oscilando no nível de pobreza ou um pouco acima dele", comenta.  

"No Brasil, se você fizer um programa orientado para pobre, ele vai dar certo. O programa que dá errado no Brasil é o voltado para rico: vai ter fraude, todo o tipo de corrupção e maluquices", destaca Medeiros. "Quando é voltado para pobre, é muito raro ter muita fraude." 

A proposta, entretanto, encontra resistência no governo, preocupado em não aumentar as despesas. Mas o pesquisador de Princeton frisa que, ao contrário do que muitos pensam, o gasto brasileiro com programas assistenciais ainda é pequeno, para um país com um grau de desenvolvimento semelhante.

"O Brasil precisa aumentar o gasto com proteção social, de uma maneira equilibrada do ponto de vista fiscal. Brasil só destina 1,5% do PIB com proteção social, muito pouco para um país com este nível de pobreza e desigualdades", afirma. "Deveria se planejar para, em breve, chegar em 3% do PIB e, no futuro, 5%, com algum mecanismo de redistribuição." 

Reforma tributária poderia trazer recursos

Para aumentar as receitas e poder viabilizar um novo programa, Freire sugere modificações no sistema tributário, rumo a um modelo mais progressivo, no qual os ricos pagassem, proporcionalmente, mais tributos do que os pobres. As assimetrias são grandes entre a tributação do trabalho, elevada, e a do capital, pouco taxada. O Brasil é um dos únicos países a isentar impostos sobre lucros e dividendos ­- um verdadeiro presente para os ricos.

Na esteira da discussão, a equipe de Paulo Guedes planeja reformular o Bolsa Família, que passaria a se chamar Renda Brasil. O novo programa beneficiaria um número maior de pessoas, porém fusionaria programas sociais já existentes e teria exigências em contrapartida da ajuda, para estimular o retorno ao mercado formal de trabalho.

A ideia é vista com ceticismo. "Eu vejo uma intenção muito política em mudar o Bolsa Família, porque ele ainda é muito associado ao governo que o criou. A ideia é mudar o nome para que esse governo possa dizer que criou um programa", frisa Débora Freire.

"Isso, obviamente, cria riscos de se eliminar características importantes do Bolsa Família, um programa social muito consolidado, avaliado e com resultados consistentes na pobreza, na educação das crianças, na escolaridade", diz a pesquisadora da UFMG.

"O governo nunca quis melhorar o Bolsa Família. A Renda Brasil é uma cortina de fumaça, como várias outras, inclusive a própria reforma da Previdência, que na realidade foi promovida pelo Congresso. Depois, com a reforma Tributária, foi igual: até hoje não tem data", avalia Medeiros.