Como o distanciamento físico provocado pela epidemia afeta crianças e idosos
Nada de beijinho, abraço ou aperto de mão. Como o corpo reage à ausência do contato físico e da proximidade com a família e os amigos? O isolamento provocado pela epidemia da Covid-19 veio mudar nossa vida social por tempo indeterminado e isso traz consequências para o corpo e a alma.
O homem é um ser social por natureza e, por isso, desde pequena, a criança depende do contato físico com os pais para que seu cérebro possa se desenvolver corretamente. Já os mais velhos, sozinhos, tendem a ter um declínio mais rápido da função cognitiva. O isolamento social é, sem dúvida, um dos maiores efeitos colaterais, ainda que pouco mensuráveis, da epidemia do coronavírus.
A maioria das pessoas adultas adquiriu, ao longo da vida, um equilíbrio físico e mental, diz Henrique Sequeira, professor de Neurociências da universidade de Lille, no norte da França, especialista da química das emoções. Em geral, diante de uma situação como a atual, os indivíduos vão mobilizar seus recursos afetivos e cognitivos para se adaptar às dificuldades, do ponto de vista psicológico e fisiológico - para o pesquisador, ambos não podem ser dissociados.
Em um modelo clássico de stress, essa fase que vivemos do "novo normal" sucede à do alarme, quando teve início a epidemia, e é conhecida como fase da resistência. "Ela é complicada para o indivíduo, porque nos leva a reagir muito mais do que em tempos normais", diz. Esse estado de atenção de permanente, que inclui a famosa distância mínima de 1,5 metro entre duas pessoas, sem apertos de mão ou beijos, gera um gasto energético que se traduz em falta de sono, irritabilidade, ou outros sintomas.
De acordo com o professor franco-português, essa etapa de resistência determinará a médio e longo prazo as consequências para a saúde - física e mental. Uma coisa é certa: a epidemia gera incertezas em relação ao futuro: temos medo por nós mesmos e pelas pessoas próximas.
Ele cita como o exemplo o distanciamento imposto aos idosos, que correm mais risco de desenvolverem formas graves da Covid-19. "Houve um distanciamento físico forçado de pessoas que gostaríamos de visitar. Foi o caso, durante um bom tempo, das casas de repouso para idosos. Houve uma separação forçada entre pessoas queridas."
Em nosso cérebro,lembra o professor, temos uma área responsável pela flexibilidade comportamental, que ajuda a enfrentar novas situações. Trata-se do córtex frontal e pré-frontal, um dos mais recentes na história do desenvolvimento do cérebro humano. Por isso, idosos e crianças pequenas são os que têm mais dificuldade de se adaptar às mudanças. "Nas crianças, essa parte do córtex frontal ainda não é suficientemente madura. Essa imaturidade se traduzirá em alguns aprendizados: diante de um problema, temos que achar soluções", exemplifica. Em suma, falta maleabilidade cognitiva e emocional.
No caso das pessoas idosas, a partir de 70 anos, há uma degradação do córtex frontal, o que acarreta a perda da flexibilidade mental e a dificuldade em adotar soluções de comportamento diante de situações estressantes ou simplesmente diferentes.
Humanos resistem de forma diferente ao stress
Henrique Sequeira lembra que a capacidade dos indivíduos a resistir a essa fase de resistência atual é variável. Segundo ele, pesquisas do gênero foram feitas com prisioneiros que saíram incólumes dessa experiência. Outros, por outro lado, passaram rapidamente à chamada fase de ruptura física e fisiológica depois de pouco tempo encarcerados. "Essa ruptura fisiológica vai se traduzir em modificações físicas agudas que, no fim, vão originar diversos tipos de câncer ou outras doenças", exemplifica.
A falta de contato provocada pelo distanciamento físico pode, dessa forma, ser vivenciada de maneiras diferentes, mas sempre é difícil. "Todo ser humano precisa dividir suas emoções. Quando dividimos nossas emoções, nos sentimos melhor. Por isso, que, a maior parte das pessoas, quando tem uma boa ou uma má notícia para contar, sente necessidade de dividi-la com o outro", diz.
O contato com outra pessoa tem o poder de acalmar as pessoas, como demonstram as pesquisas, reforçando o equilíbrio do ser humano. Para alguns, o contato físico é necessário e a adaptabilidade às medidas de distanciamento também dependerá lembra neurocientista, do apego ao chamado esquema comportamental de cada um.
"Crianças se adaptaram rapidamente", diz representante de associação
A linguista e representante da Associação HB (Herança Brasileira) em Paris, Fernanda Consoni, conta que o distanciamento social e físico foi uma imposição que surpreendeu a equipe, principalmente no início. "Para gente foi muito difícil. Eu tinha uma relutância muito grande em fazer atividades on-line. A razão de existir da nossa associação é criar um contexto comunitário, em português para crianças. Uma comunidade virtual não fazia sentido, porque eles falam com a família dessa forma. Essa comunidade virtual existe para essas crianças, o que não existe é uma comunidade física, de pessoas que se falam, se tocam, que vivem no mesmo espaço do que elas", diz.
Ao mesmo tempo, Fernanda sabia que as crianças não poderiam ficar afastadas durante muito tempo das animadoras e do espaço construído na associação, onde a questão afetiva é primordial. Foi assim que começaram os ateliês virtuais, que acabaram dando certo, diz. Algumas crianças, inclusive, perderam a inibição e ficaram mais à vontade para falar, porque no espaço real se sentiam intimidados por outros participantes mais expansivos.
Ela salienta, entretanto, que essa solução é desgastante a longo prazo e o "novo normal" também é complicado. "Tivemos um retorno do presencial, mas na verdade não é um retorno porque tentamos manter as medidas de segurança e isso é estressante para a gente, porque o que a gente gosta é de pegar nas crianças e as crianças pegarem na gente, e todo mundo se pega!" Uma realidade que ainda deve durar por um bom tempo.
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