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Quem era Samuel Paty, o professor decapitado na França ao ensinar a liberdade de expressão

16.out.2020 - Policiais em Paris, onde um professor foi decapitado; Samuel Paty, de 47 anos, mostrou caricaturas do profeta Maomé em uma aula sobre a liberdade de expressão - Reuters
16.out.2020 - Policiais em Paris, onde um professor foi decapitado; Samuel Paty, de 47 anos, mostrou caricaturas do profeta Maomé em uma aula sobre a liberdade de expressão Imagem: Reuters

17/10/2020 11h02

O professor Samuel Paty, um pai de família de 47 anos, pagou com a vida a iniciativa de mostrar caricaturas do profeta Maomé em uma aula sobre a liberdade de expressão. Pouco depois de deixar a escola onde trabalhava na pequena cidade de Conflans-Saint-Honorine, por volta das 17h de sexta-feira (16), o educador foi decapitado por um jovem de 18 anos de origem chechena que ficou indignado com a atitude da vítima em sala de aula.

Neste sábado (17), alunos, pais, colegas e amigos de Paty o descrevem como um homem gentil, apaixonado pela profissão. O crime chocou o país - o Palácio do Eliseu anunciou a realização de uma homenagem nacional ao professor, nos próximos dias. Centenas de pessoas se dirigiram em frente à escola e depositaram flores no local.

"Quando li 'professor, [escola] Bois d'Aulne e decapitação', pensei na hora: 'é o senhor Paty!'", disse o ex-aluno Martial, 16 anos, à AFP.

A escola fica em um bairro industrial da cidade, de 35 mil habitantes e a cerca de 50 quilômetros de Paris. "Ele se envolvia nas aulas, queria realmente nos ensinar as coisas. De tempos em tempos, ele promovia debates, a gente conversava", relata o garoto.

"Estou destruído. Samuel Paty foi meu colega de formatura. Era um estudante brilhante, um superprofessor, um homem de diálogo", disse, no Twitter, um ex-colega da vítima. "Citarei o teu nome e o teu exemplo, camarada, a todos que quererão ainda exercer essa linda profissão", complementou.

De porte pequeno, óculos e discreto, o professor era casado e tinha filhos. Na semana passada, como já havia feito em outras ocasiões nos últimos anos, ele levou à sala de aula uma caricatura de Maomé, publicada no jornal Charlie Hebdo, para explicar aos alunos sobre aquela que é um dos pilares da República francesa, a liberdade de expressão. A classe tinha em média 13 anos e cursava o equivalente ao oitavo ano do Ensino Fundamental brasileiro.

Pais revoltados e vídeo incitando à reação

Desta vez, porém, a iniciativa não foi bem recebida por todos. Os alunos relatam que o professor perguntou quem era muçulmano na sala e ofereceu a eles a possibilidade de se retirar ou não olhar, se preferissem não visualizar o desenho. Alguns saíram; outros, não.

Nas horas e dias que se seguiram, o que ocorreu naquela aula foi o assunto na hora do recreio. Alguns pais foram além e levaram uma reclamação à associação de pais e alunos. Um deles publicou um vídeo indignado nas redes sociais, no qual chama Paty de "bandido", incita outros pais a se mobilizarem contra a atitude do educador e divulga o nome da escola. Ele chegou a ir à polícia acompanhado da filha para denunciar o que considerou como um ato de islamofobia por parte do professor - que reagiu prestando queixa por difamação.

Desde então, Paty "andava desconfortável", observa Myriam, aluna de 13 anos da escola. "Tinha alunos dizendo 'ele é racista'. Outros qualificativos circularam, como 'islamofóbico'".

Paty "não fez isso para criar polêmica ou desrespeitar os pequenos, nem por discriminação", alega Nordine Chaouadi, pai de outro adolescente de 13 anos que descreve professor como "um senhor supergentil".

A polícia investiga qual o papel do vídeo no crime, já que o autor do ataque tinha 18 anos e não estudava no local. O autor, nascido em Moscou e com um visto de refugiado na França, obtido em março deste ano, foi morto pela polícia instantes depois do assassinato.

Papel do professor é estimular a reflexão, diz educadora

"Dá muito medo, porque agora estamos todos estarrecidos, é um choque profundo. O que se passou é extremamente violento", disse à RFI Christine Guimonnet, professora no colégio Pontoise e secretária-geral da Associação de Professores de História e Geografia (APHG). "O que a gente ensina aos alunos é para lhes dar as chaves: as chaves para a compreensão do mundo, da história, da geografia. O ensino, num Estado democrático, tem como objetivo instruir os alunos, desenvolver neles o acesso ao conhecimento, à reflexão, à razão - sejam eles religiosos ou não. Quando temos opiniões diferentes, a gente deve falar, trocar ideias, não se estapear nem matar alguém", explica a professora.

"Nossos professores continuarão a despertar o espírito crítico dos cidadãos da República, a emancipa-los de todos os totalitarismos e de todos os obscurantismos", declarou o primeiro-ministro francês, Jean Castex, neste sábado. O ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, garantiu que o Estado francês "estará ao lado" dos professores para "protegê-los e permitir que continuem a exercer a profissão, a mais essencial, que transmite aos nossos filhos o saber e os valores que são o nosso bem comum".

*Com informações da AFP