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Covid-19: Em contraste com Bolsonaro, presidente argentino é vacinado exibindo camisa com jacaré

22/01/2021 06h36

O argentino, Alberto Fernández, tornou-se o primeiro presidente a ser vacinado na América Latina para dar o exemplo aos que duvidam da eficicácia da imunização. Foi vestido com uma camisa que exibia a imagem de um jacaré. Depois de tomar o imunizante russo Sputnik V disse, ironicamente, que "ficou com vontade de beber vodka".

Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires

O presidente argentino, de 61 anos, tomou a primeira de duas doses do imunizante russo Sputnik V para dar um exemplo contra o medo dos que ainda temem, 24 horas depois de a vacina ser aprovada na Argentina para maiores de 60 anos.

"O presidente reafirmou a segurança e a eficácia da vacina, e que a sua prioridade é que chegue à maioria dos argentinos no menor tempo possível", disse a Presidência argentina em nota.

Durante a vacinação nesta quinta-feira (21) no hospital Posadas, na zona oeste da região metropolitana de Buenos Aires, Alberto Fernández exibiu uma camisa da marca Lacoste cujo símbolo é um jacaré.

O presidente argentino não informou se a imagem do jacaré fazia alguma alusão ao seu inimigo ideológico, o presidente Jair Bolsonaro. 

A enfermeira responsável pela aplicação da vacina, Marcela Yanni, revelou que Alberto Fernández fez piadas e que, depois de vacinado, brincou: "Agora fiquei com vontade de tomar vodka. Será esse um efeito colateral?".

Yanni também contou que Alberto Fernández estava muito descontraído e, enquanto aguardava na sala de espera, "conversou com as pessoas sobre a importância de as pessoas não terem medo".

"Trata-se de uma ação para dar o exemplo à população para que perca o medo à vacina", acrescentou a enfermeira Yanni sobre a atitude do presidente argentino.

Camisa com jacaré

Pelas redes sociais, vários se perguntavam se a camisa escolhida por Alberto Fernández tinha sido uma mera coincidência ou mais uma provocação indireta ao presidente Jair Bolsonaro.

Em dezembro, Bolsonaro referiu-se aos eventuais efeitos colaterais das vacinas, tomando como exemplo a da Pfizer: "Se você virar um jacaré, é problema seu", disse o presidente brasileiro, depois que o laboratório tivesse imposto, como condição para um contrato de fornecimento de vacinas, a imunidade jurídica em caso de efeitos colaterais.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro garante que "não vai tomar a vacina e ponto final" porque já está imunizado ao ter contraído coronavírus.

"Eu não vou tomar. Alguns falam que estou dando péssimo exemplo. Ô imbecil, ô idiota, que está dizendo do péssimo exemplo, eu já tive o vírus, eu já tenho anticorpos. Para que tomar vacina de novo?", questionou.

Não seria a primeira vez que Alberto Fernández manda uma mensagem subliminar a Bolsonaro. Em julho do ano passado, quando o presidente brasileiro contraiu a covid-19, Alberto Fernández mandou uma carta a Bolsonaro com traços de ironia e oportunismo político.

Na carta, o presidente argentino enfatizou a necessidade de "ter cuidados extremos" perante a ameaça e destacou que o vírus não diferencia "governantes de governados".

Fernández preferiu ressaltar o povo brasileiro -e não o seu líder- pela forma de enfrentar a pandemia e enviou um distante "cumprimento" a Bolsonaro, reforçando "toda a sua solidariedade com o povo do Brasil"; não com o seu presidente.

População desconfia

Segundo a ANMAT, a agência reguladora argentina equivalente à ANVISA brasileira, a vacina Sputnik mostrou uma eficácia de 91,8% em pessoas acima de 60 anos.

Porém, a vacina russa, ainda sem publicações científicas suficientes, gera desconfiança em boa parte da população argentina. Ao contrário das demais vacinas aplicadas nos países desenvolvidos, a informação sobre os ensaios clínicos da Sputnik V é escassa.

"Na Argentina, 30% das pessoas diziam antes da chegada da Sputnik que não se vacinariam com nenhuma, mas a vacina russa, particularmente, caiu na polarização que divide a sociedade. Como vem da Rússia, um país aliado deste governo, a outra metade rejeita porque também desconfia da falta de informação", indica o analista político e consultor em opinião pública, Jorge Giacobbe.

Para combater esse ceticismo, o presidente Alberto Fernández decidiu ser vacinado.

Aprovação sem ensaios adicionais

Ao contrário do Brasil, que rejeitou a aprovação da Sputnik por não ter realizado ensaios clínicos em seu território, a Argentina aprovou o uso emergencial da vacina russa, única disponível no país, sem ensaios adicionais realizados localmente. Bastou a informação enviada pelo instituto russo Gamaleya, responsável pelo imunizante.

Essa aprovação sem ensaios adicionais foi seguida na região por Bolívia, Venezuela e Paraguai. A vacina russa será fabricada no Brasil para ser exportada a esses países.

A Argentina começou a vacinar pessoal da saúde em 29 de dezembro com o primeiro lote de 300 mil vacinas. O segundo lote com a segunda dose chegou ao país no final de semana.

O governo tinha anunciado que, ainda em janeiro, chegariam outras cinco milhões de doses e, em fevereiro, mais 14,7 milhões, totalizando 20 milhões, suficientes para 10 milhões de pessoas. No entanto, poucos acreditam que os prazos sejam cumpridos. A previsão é de 51 milhões de doses ao longo do ano entre todos os acordos com farmacêuticas, a maioria ainda em negociação.