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Escândalo do leite condensado no governo Bolsonaro chega às páginas do Le Monde

30/01/2021 14h38

A "polêmica do leite condensado", envolvendo as despesas alimentícias do Executivo em 2020, ganhou as páginas do diário francês Le Monde neste sábado (30). O correspondente do jornal no Brasil, Bruno Meyerfeld, não consegue evitar a fina ironia: "Para Jair Bolsonaro, a nota é salgada ... mesmo que os produtos sejam açucarados", compara ele no início da matéria que conta como o presidente do Brasil esteve imerso em um grande escândalo por muitos dias após a revelação pela imprensa dos gastos generosos com alimentos realizados por seu governo.

A publicação cita como uma das fontes o jornal online Metrópoles, que revela gastos de mais de R$ 1,8 bilhão (€ 270 milhões) em alimentos e bebidas, um aumento de 20% em relação ao ano anterior. Em detalhes, são revertidas para euros diversas despesas do governo federal: € 2,4 milhões em batatas fritas, € 750 mil em passas, € 330 mil em chicletes, € 250 mil em chantilly e ainda € 270 mil em carne congelada.

Mas a cereja do bolo mesmo, na França como no Brasil, são as cifras em torno das sobremesas, mais especificamente os € 2,3 milhões gastos na compra de leite condensado. "Essa iguaria é certamente muito apreciada pelos brasileiros, mas os gastos astronômicos do governo de Brasília com o produto são intrigantes", destaca o texto, acrescentando que € 2,3 milhões são suficientes para comprar entre 2 e 3 toneladas de leite condensado por dia: o equivalente a 7 mil latas abertas diariamente... o que é muito leite condensado.

Ultraje e gargalhadas

Le Monde destaca como a notícia provocou, ao mesmo tempo, indignação e risos. Enquanto a Covid-19 devasta o país, muitos acreditam que uma grande quantia de dinheiro poderia ter sido gasta na compra de vacinas ou tanques de oxigênio. Alguns suspeitam de fraudes e desvios de recursos, e pedem um inquérito parlamentar. Nas redes sociais, os internautas costumam usar o humor, caricaturando Jair Bolsonaro como um lutador de sumô obeso, devorando toneladas de leite condensado.

Diante do escândalo, o poder se justifica como pode, entre não muita vergonha e histeria. O Ministério da Defesa, fonte da maioria das compras de leite condensado, ressaltou o "potencial energético" desse ingrediente altamente calórico. Furioso, Jair Bolsonaro não hesitou em suas grosserias: "Vai para a puta que te pariu, imprensa de merda! Pode enfiar no rabo essas latas de leite condensado!", reagiu o presidente brasileiro em 27 de janeiro durante um almoço filmado em Brasília, cercado por seus apoiadores e seus ministros.

Os insultos do chefe de estado não sã exatamente uma novidade para a imprensa brasileira, alerta a publicação, lembrando que pelo menos nos últimos dois anos a mídia foi chamada de "podre", "bastarda" ou "mentirosa", dependendo da época. Jair Bolsonaro não hesita em "mandar uma banana" de vez em quando aos jornalistas responsáveis ??por monitorar sua presidência. Em 2020, a ONG Repórteres Sem Fronteiras registrou 580 ataques contra a imprensa pelas autoridades de Brasília.

Para o diário francês, o episódio evidencia principalmente o nervosismo que atualmente toma o chefe de Estado, sob pressão, sendo ameaçado de impeachment por sua gestão catastrófica da crise da Covid-19, que fez 220 mil mortos no país. A campanha de vacinação, que começou confusa, enfatiza o artigo, sofre muitos atrasos e disfunções, pois o país enfrenta uma segunda onda mortal e uma variante amazônica mais contagiosa se espalha em alta velocidade.