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Grupo de mercenários russo é acusado de crimes de guerra na Síria

15/03/2021 16h04

O 10° aniversário do início da revolução na Síria e da guerra que se seguiu foi marcado por uma ação judicial sem precedentes na Rússia. Nesta segunda-feira (15), pela primeira vez, foi apresentada uma queixa contra os mercenários russos do grupo Wagner que operam na Síria há vários anos. Seis deles são acusados ??de torturar e mutilar um cidadão sírio em junho de 2017. Nenhuma investigação havia sido aberta, nem na Síria, nem na Rússia. Mas um coletivo de ONGs decidiu mudar o curso da História.

Por Daniel Vallot e Rusina Shikhatova

Foram imagens atrozes as que surgiram na internet no verão do Hemisfério Norte de 2017. Mostram um homem espancado até a morte, torturado, depois mutilado e decapitado. À sua volta, homens em uniformes militares falando russo. Membros suspeitos do grupo Wagner, um grupo de mercenários russos, ativo na Síria há vários anos. A vítima foi identificada por vários de seus parentes que permaneceram no Líbano.

E foi em nome do irmão da vítima que a denúncia foi feita nesta segunda-feira (15), em Moscou, por um coletivo de ONGs de defesa dos direitos humanos.

"Trata-se de um assassinato horrível, com atos de tortura que equivalem a crimes de guerra", disse Alexander Cherkassov, presidente da ONG Memorial. "E este crime não deve ficar impune. Em território sírio, os culpados não foram julgados e acreditamos ser necessária a abertura de uma investigação aqui na Rússia."

Muro de impunidade

De acordo com um dos advogados do queixoso, a lei russa prevê a obrigação do Estado de investigar crimes cometidos por cidadãos russos no exterior. "Embora todas as informações tenham sido comunicadas oficialmente às autoridades há mais de um ano", disse Ilya Novikov, "o Comitê de Investigação ainda não abriu nenhum processo".

Para Alexander Cherkasov, a inércia das autoridades russas não é surpreendente: decorre de uma cultura de impunidade que remonta à época das guerras da Chechênia, nas décadas de 1990 e 2000.

"Crimes atrozes foram cometidos na época, atos que são comparáveis a este e, em alguns casos, nenhuma investigação foi aberta", explica o presidente do Memorial. "O Estado primeiro nega o crime, depois nega a necessidade de investigar e, finalmente, nega o envolvimento dos perpetradores. É preciso muito tempo e muito esforço para derrubar esse muro de impunidade."

Responsabilidade da Rússia

Para derrubar esse muro, as organizações de direitos humanos enfrentarão uma dificuldade adicional. Porque a Rússia ainda se recusa a reconhecer a própria existência do grupo Wagner. As autoridades russas, portanto, acreditam que não têm responsabilidade pelas ações desses mercenários, uma vez que, aos seus olhos, eles não têm existência legal.

Para a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), que se junta à denúncia apresentada em Moscou, essa medida também é uma forma de obrigar a Rússia a reconhecer sua responsabilidade pelos crimes cometidos no exterior por Wagner. "Esta queixa não é apenas um passo significativo para garantir um mínimo de justiça para a família da vítima deste crime bárbaro", disse Ilya Nuzov, chefe do escritório da FIDH na Europa Oriental e Ásia Central em um comunicado publicado pela ONG.

"É também uma forma de preparar o caminho para o reconhecimento da responsabilidade da Rússia por esses crimes, cometidos por forças armadas de fato que operam fora de seu território. Um Estado não pode se esquivar de sua responsabilidade internacional terceirizando a violência para obscuros grupos armados como Wagner", conclui.