Complicado panorama político alemão mantém suspense sobre favoritos à sucessão de Merkel
Foi-se o tempo em que era fácil decodificar quem votava em quem na Alemanha. Forçando o uso da palavra, dava para se dizer que até o voto de esquerda era "conservador", no sentido de que as preferências se repetiam com a precisão de um relógio suíço.
Flávio Aguiar, analista político
Até pouco tempo atrás era assim: se você era um trabalhador veterano e sindicalizado, votava no Partido Social-Democrata, o SPD. Se era um profissional liberal e não queria pagar muitos impostos, votava no FDP, o Freie Demokratisch Partei, uma espécie de DEM alemão. Caso fosse jovem, pacifista, tivesse preocupações ambientais e com os direitos humanos de minorias, mulheres, LGBTI+, seu destino era votar nos Verdes. Já se fosse um empresário ou alguém da classe média conservadora, seu voto iria para a União Democrata Cristã, CDU, ou a União Social Cristã, CSU, da Baviera.
De uns tempos para cá tudo se embrulhou. O SPD introduziu reformas neoliberais na Alemanha, junto com os Verdes, quando governaram o país no começo deste século, distanciando-se de suas bases sindicais. Os Verdes ajudaram a aprovar a intervenção militar no Afeganistão. Angela Merkel, no poder há 16 anos com a CDU/CSU, baniu as usinas nucleares do país e defendeu uma política de abertura para com refugiados e imigrantes. O FDP, bem, o FDP permaneceu fiel a suas bases liberais.
Novos partidos
Surgiram novos partidos, redesenhando o equilíbrio eleitoral. Dissidentes da guinada neoliberal do SPD fundaram Die Linke, A Esquerda, captando votos com esta tendência. Insatisfeitos com a política que viam como excessivamente liberal de Merkel para com imigrantes e refugiados fundaram o Alternative für Deutschland, AfD, considerado de extrema direita. Este partido roubou votos de quase todo mundo, da CDU/CSU, do SPD e até da Linke.
Para completar o quadro complexo, Angela Merkel renunciou a um novo mandato, abrindo a luta por sua sucessão nas eleições previstas para 26 de setembro. Para começo de conversa, isto provocou um pequeno terremoto na CDU/CSU com a disputa pela sua liderança entre Armin Laschet, da Renânia do Norte-Vestfália, e Markus Söder, da Baviera. Laschet venceu a parada, mas a disputa abalou a liderança da dupla CDU/CSU.
Os Verdes entraram nesta brecha, e durante algum tempo sua nova líder, Annalena Baerbock, de 40 anos, liderou as pesquisas das intenções de voto. Pela primeira vez em sua história, os Verdes apresentavam uma candidatura para o cargo de chanceler, como se denomina a chefia do governo alemão.
Plágio de livro abala candidata verde
Entusiasmada pelo sucesso, Annalena resolveu, apressadamente, lançar um livro para tornar-se mais conhecida pelo público: "Agora. Como renovamos nosso país". O tiro saiu pela culatra. Um pesquisador austríaco, Stefan Weber, denunciou ter encontrado mais de uma dezena de trechos plagiados de outras fontes.
Desde então este tema tem ocupado grande parte do noticiário político alemão, ofuscando outros casos, como as denúncias de que políticos da CDU e da CSU estiveram envolvidos em negócios duvidosos sobre a compra de máscaras antipandemia e sobre turismo com o Azerbaijão e países do Extremo Oriente.
Laschet recuperou o terreno, e hoje a dupla CDU/CSU voltou a ocupar a liderança nas pesquisas. Mas a situação está longe de ser tranquila. Laschet se apresenta como um continuador da "política de equilíbrio" seguida por Angela Merkel na Europa, prometendo, dentro do possível, seguir uma linha de negociação quanto ao Reino Unido e o chamado Brexit, a Rússia e também a China.
Sucessor de Merkel
Mas Laschet está ainda longe de ter o carisma de sua virtual antecessora, Angela Merkel. Tanto é assim que as mesmas pesquisas que dão liderança para a CDU/CSU, apontam que o chanceler preferido dos alemães seria Olaf Scholz, do SPD, atual ministro das Finanças.
Por sua vez, o AfD, na extrema-direita, tem declinado nas intenções de voto. Assim mesmo, guarda uma forte presença entre os eleitores mais jovens, entre 18 e 24 anos, em particular no antigo leste comunista alemão, onde o desemprego é maior e a infraestrutura social mais precária, como ficou demonstrado nas eleições regionais recentes no estado da Saxônia-Anhalt.
Para diminuir o estrago do escândalo do plágio, os dirigentes dos Verdes alegam que os trechos apontados pelo pesquisador austríaco Weber como copiados por Annalena Baerbock contém informações de conhecimento geral, cuja redação é canônica. Vários políticos, inclusive de partidos concorrentes dos Verdes, como Olaf Scholz, do SPD, e Horst Seehofer, da CSU bávara, têm minimizado as acusações contra ela, tachando-as de exageradas.
É óbvio que na tradição alemã nenhum partido obtém maioria absoluta das votações, e o mais votado se vê na contingência de fazer alianças para governar. Mesmo caindo nas pesquisas, os Verdes permanecem uma força de primeira grandeza no cenário.
Outro fator que pode ter prejudicado Baerbock foi sua prematura impulsividade. Com 40 anos, política considerada jovem e ainda inexperiente, Baerbock logo anunciou suas intenções de introduzir mudanças de vulto na política alemã, como por exemplo, adotando uma postura mais dura em relação à Rússia.
Isto assustou grande parte do establishment político alemão, inclusive na mídia - e também do público eleitor - que costuma não ver com bons olhos guinadas bruscas em matéria de política. Se fossem brasileiros, poder-se-ia dizer que a maioria dos alemães ainda prefere o estilo feijão-com-arroz, negociador e consensual, de Angela Merkel.
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