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Sob críticas, Boris Johnson vai suspender restrições anticovid no Reino Unido

Sob críticas, primeiro-ministro Boris Johnson vai suspender restrições anticovid no Reino Unido - Guglielmo Mangiapane/Reuters
Sob críticas, primeiro-ministro Boris Johnson vai suspender restrições anticovid no Reino Unido Imagem: Guglielmo Mangiapane/Reuters

Vivian Oswald

Correspondente da RFI em Londres

22/02/2022 07h00Atualizada em 22/02/2022 08h51

Nada deveria abalar o que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, preparava para ser a sua grande semana. Ao anunciar o plano com o qual pretende inaugurar uma nova fase em que a covid-19 passa a fazer parte do dia a dia da sociedade, o governo britânico quer sinalizar que o país está vencendo a doença. É a retomada da liberdade, segundo ele.

O novo plano vinha sendo preparado como antídoto para a crise política do governo, depois de uma série de escândalos ainda não esclarecidos, num momento em que a liderança do primeiro-ministro vem sendo questionada.

Seria o grande anúncio de que o Reino Unido saiu na frente de outros países e já se sente seguro para conviver com a covid-19. Não por acaso, em entrevista à BBC no fim semana, ele se recusou 17 vezes a comentar as investigações em curso sobre os escândalos que envolvem o seu governo, enquanto insistia em explicar a nova fase da pandemia.

Esta semana, Johnson pode ser multado se a Scotland Yard concluir que ele desrespeitou as regras sanitárias vigentes no ano passado ao participar de festas e confraternizações regadas a bebidas alcoólicas na residência oficial.

Após o veredito da polícia, o público finamente deverá conhecer o teor do relatório das investigações dos fatos conduzidas pela corregedora independente Sue Gray. Mas tudo isso seria ofuscado pelo fim das restrições sanitárias vigentes e das diretrizes para a boa convivência com a doença que fez do Reino Unido uma das nações mais afetadas da Europa.

A semana, no entanto, começou com outro revés inesperado. No final da tarde de domingo, o Palácio de Buckingham revelou que a rainha Elizabeth II está com covid-19. A monarca, que se manteve por boa parte do tempo isolada, apresentou sintomas leves e disse que ia cumprir suas funções de casa. Ela é o terceiro membro da família real contaminado, depois do príncipe Charles, seu sucessor ao trono, e a nora Camila Parker-Bowles, a futura rainha consorte.

Tudo isso só confirma que, a despeito da ansiedade geral e do próprio governo, a pandemia está longe do fim. Para o líder da oposição trabalhista Keir Starmer, a estratégia do governo de conviver com a covid-19 mais parece a ideia de ignorá-la. O Reino Unido ainda registra 44 mil novas contaminações e 143 mortes por dia na média da última semana.

O pico da onda da variante ômicron passou. Dois terços da população acima de 12 anos recebeu três doses da vacina. O país teria chegado a um nível suficiente de imunidade para conviver com o vírus, na avaliação do governo. É nisso que apostam Johnson e sua equipe. Ele disse que é hora de voltar ao trabalho e que o plano do governo restabelecerá a liberdade dos cidadãos.

A palavra não foi escolhida por acaso. O manejo da pandemia é motivo de desavenças dentro do partido do primeiro-ministro. Uma ala da legenda defende, como sempre, as liberdades individuais e questiona as restrições sanitárias por considerar que trazem mais efeitos nocivos do que benéficos para a economia, que só agora começa a dar sinais de recuperação.

Estratégia

Politicamente, é preciso observar se a estratégia de Johnson funcionou. Ele esperou a fervura passar, mirou em medidas de grande impacto, enquanto tentou se aproximar e agradar membros do partido conservador. Os rebeldes dentro da sua própria legenda ainda são uma grande ameaça ao premiê.

Enquanto tenta ganhar tempo, Johnson trata do novo plano e vocaliza a participação firme do Reino Unido no imbróglio entre a Rússia e Ucrânia para se cacifar. Se o que for revelado nos relatórios da polícia e da corregedoria não for muito grave, pode até ser que o parlamento consiga as 54 assinaturas para desencadear o voto de desconfiança contra o primeiro-ministro. Mas pode impedir que se chegue às 180 que seriam necessárias para tirá-lo do poder. A pressão segue alta. Dois ministros próximos teriam dito ao jornal "The Times" que deixariam o governo se Johnson for mesmo multado pela polícia.

Tensões entre departamento de saúde e Tesouro atrasaram a decisão final sobre o plano anunciado na tarde desta segunda-feira, que será escalonado e terá impacto social diferenciado. A questão da ajuda financeira a trabalhadores em autoisolamento foi um dos motivos da confusão.

Novas medidas

A partir desta quinta-feira, as pessoas que tenham resultado positivo para a covid-19 já não precisam mais se isolar, embora o governo recomende que sejam responsáveis e o façam. O problema é que, como a ajuda para quem estiver sem trabalhar deixará de ser paga em um mês, quem é conta própria, o que significa que só recebe se for trabalhar, não terá incentivo para ficar em casa, caso se veja contaminado.

Os testes de antígeno, hoje gratuitos em todo o país, passarão ser cobrados a partir de abril. Somente as pessoas consideradas vulneráveis terão acesso a aos kits de testagem de graça. A medida também causou fricção porque, com os testes sendo pagos, uma parcela da população pode simplesmente deixar de fazê-los por não ter recursos.

Do lado financeiro, a preocupação é tentar conter gastos fiscais. Os conservadores gastaram bilhões de libras em pacotes de ajuda financeira a empresas e empregados. Agora, o governo quer ver a economia de volta ao prumo.

Jonhson disse que o Reino Unido é o país que mais cresce no G7 ( o grupo das sete nações mais ricas do mundo), e o primeiro a se reabrir totalmente na Europa. Consultorias começam a identificar os primeiros sinais de recuperação. Segundo o IHS Markit, o mês de fevereiro registrou otimismo com a a retomada das indústrias do turismo e entretenimento.

Cientistas pedem cautela

A recuperação econômica, contudo, será duradoura na medida em que a situação pandêmica melhore. E está claro pelos discursos do primeiro-ministro e os de sua equipe de cientistas que existe uma diferença no nível de empolgação, ou ansiedade dentro do governo. Os cientistas exigem cautela da população. Alertam para o fato de que haverá novas variantes e que elas podem ser iguais à ômicron, ou mais agressivas.

Por mais que a lei que obriga o uso de máscaras no país tenha sido suspensa, os cientistas que aconselham o governo aconselham vivamente que as pessoas não abram mão do acessório em ambientes fechados. Pelo menos enquanto os números de contaminações não terminarem de ceder.

Depois de ouvir muitas críticas, Johnson disse que não está declarando vitória contra o vírus antes da hora, até porque admite que ele está longe de controlado. E disse que não há divisão entre a ala técnica e a política do governo. Mas não disfarça a ansiedade em trazer boas notícias que possam jogar uma cortina de fumaça à confusão política que se estabeleceu no país e fortalecer a sua posição no cargo.