França: em Calais, migrantes ucranianos têm recepção calorosa, ao contrário de africanos
Alojamento, ajuda da população local, serviço consular britânico à disposição: na cidade francesa de Calais, última etapa dos migrantes que sonham em chegar no Reino Unido, a recepção aos refugiados ucranianos tem sido bem diferente daquela oferecida aos migrantes não-europeus, vindos de países africanos ou do Oriente Médio. A prefeita argumenta que "a grande diferença é que os ucranianos chegam em situação regular".
Ihor Krainyk é um dos ucranianos que acabam de chegar com a família na cidade francesa. Ele ficou aliviado por dormir numa cama confortável e receber comida quente, depois de um longo caminho iniciado na Eslováquia. "Está muito bem organizado aqui. Obrigado à França", disse, à AFP.
O pedreiro já trabalha em Londres, mas retornou ao país natal para buscar a esposa e a filha, que fugiram dos combates pela fronteira eslovaca. A família relata ter passado 24 horas seguidas na estrada até o norte da França. Mas ao chegar a Calais, as autoridades britânicas autorizaram apenas a passagem de Ihor.
"Ficamos aqui, exaustos, sem saber o que fazer", conta o ucraniano. "Mas, felizmente as pessoas foram muito calorosas. Nos falaram para dormirmos aqui."
A família está hospedada em um albergue aberto pela prefeitura na segunda-feira (28), especialmente para refugiados ucranianos. Cerca de 60 já estão instalados no local, à espera do avanço dos seus pedidos de autorização para cruzar a fronteira com o Reino Unido.
"Eu quis pagar, mas me disseram que não", afirmou Aleksandra, outra migrante ucraniana. "Estamos sendo realmente bem recebidos."
Prefeita reivindica "proteção especial da UE"
A primeira família a chegar desde o início da guerra, composta por nove adultos, foi recebida até pela própria prefeita, Natacha Bouchart, no começo da semana. Moradores da cidade têm levado produtos de primeira necessidade, como roupas, produtos de higiene e limpeza, fraldas, mamadeiras e brinquedos.
Diante do aumento esperado do fluxo de migrantes, as autoridades britânicas também enviaram mais funcionários para analisar os pedidos de asilo - porém, exclusivamente de ucranianos. Todas essas facilidades são desconhecidas dos migrantes originários do Sudão, da Eritreia, do Afeganistão ou da Síria, instalados em condições precárias e por vezes dramáticas, além de serem regulamente expulsos da cidade pela polícia.
"A grande diferença é que os ucranianos estão em situação regular", defende-se a prefeita, do partido conservador Republicanos. Ela explica que a União Europeia concedeu uma "proteção temporária" inédita para os refugiados da Ucrânia.
A medida é comemorada pelas associações humanitárias que trabalham há anos em favor dos migrantes em Calais, mas elas pedem que o mesmo tratamento seja dispensado a todos os refugiados. "É genial vermos tudo isso acontecer, porém gostaríamos que todos aqueles que fogem da guerra fossem tratados assim. Um refugiado é um refugiado. Não deveria haver discriminação", disse François Guennoc, da coalizão de associações Albergue dos Migrantes. "Por que o escritório aberto pelas autoridades britânicas em Calais é reservado aos ucranianos?", questiona-se.
"Deve ser porque somos negros"
A alguns metros do albergue para os ucranianos, um grupo de sudaneses come uma refeição fria sobre um bloco de concreto, à espera de uma oportunidade para entrar escondido em um caminhão rumo à Inglaterra. "No nosso país também tem guerra, milícias", ressalta Omar, 33 anos, que chegou de Darfur a Calais há alguns meses. "Nós também queremos ir para o Reino Unido, mas aqui estamos sofrendo. A cada manhã, a polícia vem nos mandar desfazer as nossas tendas. Deve ser porque nós somos negros, africanos", acusa.
Londres deixa claro, entretanto, que a recepção de ucranianos não será ilimitada. Os vistos britânicos só serão concedidos para aqueles que já têm familiares na Inglaterra e, mesmo assim, as regras são complexas e ainda não estão bem definidas.
Reportagem AFP
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