Topo

Brasil: Meio ambiente ganha protagonismo na eleição, mas é ofuscado por crise econômica

18/08/2022 09h36

Após um primeiro mandato de Jair Bolsonaro marcado por inúmeras polêmicas nos temas ambientais, o assunto terá destaque inédito na campanha eleitoral que acaba de começar, para as eleições de outubro. Pesquisas apontam que a preocupação com o planeta sensibiliza cada vez mais os eleitores - mas num contexto de aumento da pobreza e inflação alta, a questão não deve ser determinante na escolha do voto.

Os programas de governo dos dois principais candidatos ao Planalto ainda estão em elaboração, porém já apontam que a polarização política em torno da questão ambiental permanece. Enfrentam-se nas urnas duas visões opostas sobre a crise climática e o que deve, ou não, ser feito para combatê-la.

Líder nas pesquisas de intenções de voto, o petista Luiz Inácio Lula da Silva traz a sustentabilidade como um pilar do desenvolvimento do Brasil, vetor da transição energética e ecológica. "A questão ambiental hoje, a questão do clima, tem que ser vista como um modelo de desenvolvimento do país. Não é você olhar para uma floresta e dizer: 'vamos derrubá-la para crescer'. Não. É 'como vamos crescer com ela em pé'", afirmou o ex-presidente, em um encontro com cientistas em junho, no qual prometeu transformar o  enfrentamento das mudanças climáticas em política de Estado.

Jair Bolsonaro, por sua vez, mantém o foco na preservação dos interesses do agronegócio - para o qual, com frequência, a proteção ambiental é vista como uma barreira a ser derrubada. Nesta eleição, o presidente não ignora a importância do assunto, como em 2018. Mas encara o tema como uma mera oportunidade econômica - ele defende a comercialização de créditos de carbono pelo país e a expansão de energias renováveis como eólica e solar.

"O que tem de gente para atrapalhar, não está no gibi. Por questões ambientais, alguns preferem morrer de fome do que derrubar uma árvore", disse Bolsonaro em um recente evento do agronegócio em São Paulo, ao lado dos ministros da Economia e do Meio Ambiente.

Crise econômica abafa crise climática

Resta saber até que ponto a preservação do planeta será um fator importante para a escolha do voto dos brasileiros. A comunidade científica já demonstrou que a crise climática atinge a todos e a população pobre, portanto mais vulnerável, será mais afetada. Entretanto, em meio ao aumento em disparada dos preços de produtos básicos, da energia e dos combustíveis, a preocupação ambiental acaba em segundo plano para este eleitorado - que terá poder decisivo no pleito.

"Que as questões ambientais são importantes, não há a menor dúvida. A nossa questão é se o nosso eleitor tem a consciência dessa importância. Me parece que não", avalia o cientista político Carlos Alberto de Melo, do Insper, em São Paulo. "A crise econômica no Brasil tomou a centralidade do debate, enquanto que o tema fundamental para o nosso futuro e a nossa sobrevivência, o do meio ambiente, está na cabeça das pessoas como sendo algo de longo prazo, que pode ser discutido mais à frente."

Os interesses econômicos de produtores rurais e a apreensão da população com outros problemas de curto prazo ajudam a explicar o apoio que o atual presidente desfruta, ironicamente, na região amazônica. Na última eleição, em 2018, os eleitores da maioria dos Estados do Norte do país votaram em massa em Jair Bolsonaro. E apesar da série de recordes de alta do desmatamento na maior floresta tropical do mundo nos últimos quatro anos, o líder mantém a preferência nas pesquisas espontâneas de intenções de voto em Estados como o Acre.

Congresso voltado ao agronegócio

A relação com o Congresso também pode ser desafiadora para o próximo presidente, sobretudo se Lula vencer a eleição. A Câmara e o Senado, que também serão renovados em outubro, têm forte influência ruralista - um peso que se acentuou na atual legislatura.

"Quando falamos em uma bancada ruralista, estamos falando de muita coisa: tanto de setores que são social e ambientalmente responsáveis, que exploram a economia ambiental de uma forma moderna, e setores que não. Há contradições dentro dela", pondera Melo. "Uma mudança de mentalidade no Executivo tende a ter o apoio dos setores modernos. Já estamos vendo isso na campanha eleitoral: uma pequena parcela do agronegócio já tem sinalizado apoio ao ex-presidente Lula. Com a outra parte, vai requerer, sim, muita negociação política", sublinha.

O professor do Insper ressalta ainda que, independentemente da atuação do Congresso, o funcionamento das instituições ambientais federais, como o Ibama, tende a voltar ao normal com a saída de Bolsonaro. Durante o primeiro mandato do presidente, o governo desmantelou os órgãos responsáveis pela fiscalização e o monitoramento de crimes ambientais, o que abriu caminho para as altas históricas do desmatamento na Amazônia e no Cerrado.