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Em meio a violência e assédio eleitoral, Estados amazônicos consolidam agenda anti-ambiental

28/10/2022 11h41

Independentemente do resultado final da eleição de 2022, o pleito consolida o bolsonarismo no espectro político brasileiro, inclusive em regiões improváveis, à primeira vista, como nos estados amazônicos do norte e centro-oeste do país. Em uma política regional marcada pela violência, o aumento do assédio eleitoral aos eleitores contribui para o avanço de pautas anti-ambientais, na contramão da proteção da maior floresta tropical do planeta.

Lúcia Müzell, enviada especial a Belém (PA)

No primeiro turno, Bolsonaro ficou na frente em quatro das nove unidades da federação que compõem a Amazônia Legal - e a maioria delas escolheu governadores favoráveis a atividades ilegais e ao avanço indiscriminado do agronegócio sobre a floresta. Em Roraima, cuja metade do território é indígena, o governador que tentou legalizar o garimpo foi reeleito. Em Rondônia, se enfrentam no segundo turno dois candidatos que disputam o adjetivo de "o mais bolsonarista".

No Pará, que lidera o ranking de desmatamento desde 2006, foi reeleito o delegado Éder Mauro, o único deputado federal que teve atuação 100% contrária ao meio ambiente durante a atual legislatura, conforme levantamento da Repórter Brasil. A cidade de Novo Progresso, a quinta mais desmatada em 2021, foi a quarta mais bolsonarista do Brasil, com 79,6% dos votos a favor do atual presidente - sete pontos a mais do que na eleição anterior.

"Desde os anos 1970, com a política de colonização da Amazônia, a base econômica principal é o agronegócio, a garimpagem, a pecuária. Eles controlam os municípios economicamente, com uma forte presença ideológica de uma direita antidemocrática e reacionária", explica o cientista político Edir Veiga, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA). "Eles têm muita força econômica, que se desdobra em força política. O eleitor do interior, que trabalha para o agronegócio, é tudo Bolsonaro."

Assédio eleitoral

A disseminação do assédio eleitoral, cujo número de denúncias explodiu em 2022, intensifica essa influência, sobretudo sobre o eleitor com situação social frágil e de baixa renda. Casos de compra de votos e patrões ameaçando com desemprego em caso de vitória de Lula ou exigindo foto do voto para não demitir os empregados vêm a público dia após dia e se tornaram alvo do Ministério Público do Trabalho e do Tribunal Superior Eleitoral. Até esta quinta-feira (27), o segundo turno já tinha 30 vezes mais denúncias de assédio do que na primeira votação, em todo o país.

As populações indígenas não ficam de fora, lamenta Puyr Tembé, presidente da Federação Estadual dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa). "Para nós, é muito triste quando vemos que os povos indígenas, que a Amazônia vota em Bolsonaro. Isso nos parte o coração", afirma a líder. No Amapá, a indígena apoiadora de Bolsonaro Silvia Waiãpi conquistou uma cadeira na Câmara Federal. "A gente sabe que tem também cooptação de lideranças indígenas, de populações tradicionais, de quilombolas, que estão vulneráveis, e esses oportunistas acabam se aproximando dessa vulnerabilidade, prometendo que a melhor solução ainda é o desmatamento e a garimpagem nos nossos territórios", lamenta Puyr.

É por isso que a presidente da Fepipa sequer demonstra entusiasmo com uma eventual vitória de Lula no domingo. Para ela, depois do avanço inédito das irregularidades na Amazônia nos últimos quatro anos, o cenário vai continuar a ser de muita luta pela preservação da floresta.

"Pode haver melhoras, mas também pode haver muitos conflitos, afinal está todo mundo com sede de mudança", indica. "O brasileiro ainda não tem a percepção do conceito da vida, não valoriza o seu próprio ambiente. O cenário na Amazônia só vai mudar quando o brasileiro adquirir essa noção da vida, que não é só a do ser humano, mas se todos os seres vivos que habitam o planeta."

Impunidade

Ritaumaria Pereira, diretora-executiva no Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com sede em Belém, não se surpreende com a adesão das populações amazônicas a Bolsonaro. A entidade é referência nacional para promoção do desenvolvimento sustentável na região.

"É tudo uma questão de mensagem que o governo tem passado nos últimos anos, falando em anistiar a grilagem. A mensagem, que chega é que quem está invadindo terras públicas e unidades de conservação vai ser anistiado. Isso empodera as pessoas", assinala Ritaumaria Pereira. Ela relata que, por precaução, os pesquisadores da organização que atuam em campo recuaram as atividades neste período eleitoral.

A violência política, uma marca particularmente enraizada na região Norte, gera um clima de terror eleitoral nestes Estados. Um relatório das organizações Terra de Direitos e Justiça Global sobre o tema apontou que o Pará foi o mais violento desde 2020 até o primeiro turno desta eleição. Foram 21 casos de assassinatos e atentados contra agentes políticos - candidatos ou pessoas eleitas.

"A característica é impedir que as pessoas exerçam os seus direitos políticos. Muitos outros casos nem vão a público. Tem muita dificuldade para fazer a denúncia, a investigação e a punição", aponta Gisele Barbieri, coordenadora de incidência política da Terra de Direitos. O estudo está sendo atualizado e novos números, incluindo ataques contra eleitores, devem ser divulgados após o segundo turno.

"Não percebemos uma agressão direcionada a parlamentares que atuam na defesa ambiental. Mas existem alguns casos de parlamentares que, na sua atuação, estão envolvidos em ações que interrompem a ação de grileiros de terra, de fazendeiros", afirma Barbieri.