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De férias no país, imigrantes venezuelanos constatam: "vida melhorou, mas é cedo para voltar"

Crianças aprendem a preparar as "hallacas" - tradicional prato de Natal na Venezuala- durante atividade organizada pela fundação "Cuento Contigo Siempre" - FEDERICO PARRA/ AFP
Crianças aprendem a preparar as "hallacas" - tradicional prato de Natal na Venezuala- durante atividade organizada pela fundação "Cuento Contigo Siempre" Imagem: FEDERICO PARRA/ AFP

29/12/2022 12h03

Após anos ausentes, alguns venezuelanos decidiram pela primeira vez voltar ao país natal. Não para morar, mas para passar férias, rever a família. Um fenômeno recente por aqui. Enquanto matam a saudade, eles comparam a Venezuela que encontram em 2022 com a dos anos de crise, quando milhares de pessoas se exilaram, em busca de melhores condições de vida.

Elianah Jorge, correspondente da RFI em Caracas

O casal Yanine Escobar e Jose Dapena, ambos de 29 anos, voltou à Venezuela após cinco anos ausentes. Em 2018, a médica e o designer escolheram Tenerife, no arquipélago espanhol das Ilhas Canárias, para morar, porque não suportavam mais as drásticas condições da vida na Venezuela.

Durante a visita de férias, neste fim de ano, Yanine se surpreendeu. "Eu deixei uma Venezuela onde não havia praticamente nada. Insegura, perigosa, com sequestros, mortes. Foi um bastante estranho encontrar uma Venezuela totalmente diferente", diz.

Ela se refere à mudança perceptível sobretudo nas grandes cidades venezuelanas. Em 2019 o presidente Nicolás Maduro começou a flexibilizar a economia do país, permitindo a terceiros a importação de alimentos e produtos, antes limitada ao Estado.

Recuperação econômica

Outro fator é a estimativa de que o Produto Interno Bruto (PIB) venezuelano feche este ano com um aumento de 10%. A recuperação econômica também é retratada no aumento do consumo.

O atual momento parece distante do período da escassez, dos violentos protestos e do caos vivido no país entre 2014 e 2019. Agora há oferta de produtos, com prateleiras cheias nos supermercados. Porém os preços são altos e apenas uma pequena parcela da população tem poder de compra.

A venezuelana Madeleine Facendo, de 24 anos, visita o país após cinco anos longe. "Parecem Venezuelas totalmente diferentes. Dizem que a Venezuela se ajustou. Não é verdade. Continua havendo problemas muito críticos e muito graves, aos quais eu acredito que não é dada suficiente importância", explica ela que acabou de se formar em Políticas Públicas por uma universidade na França.

Jose teve a mesma impressão ao reencontrar este ano familiares, amigos e revisitar lugares que marcaram sua vida na Venezuela.

"São duas realidades paralelas. Vejo pessoas muito bem e, por outro lado, pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades, que não puderam progredir. É chocante no sentido de que alguns estão muito bem e outros que estão muito mal", lamenta.

Inflação

De acordo com o Observatório Venezuelano de Finanças (OVF), formado por economistas ligados à oposição, a inflação de novembro deste ano foi de 21,9%.

Segundo o OVF, no segundo trimestre de 2022, a atividade econômica subiu 16,6%, como consequência da estabilização da produção petrolífera, maior investimento do governo e o fim da hiperinflação, que por anos foi classificada como a maior do mundo.

"Conheço pessoas que emigraram igual a mim, mas decidiram voltar para morar na Venezuela. Elas me dizem que tudo é uma loucura. Elas me contam que os gastos com a comida são muito altos", conta Victoria Martínez que mora desde 2018 em Lima, no Peru, onde trabalha na parte administrativa de uma clínica.

Para contornar o alto custo de vida, com um salário mínimo mensal de 171 bolívares fortes, equivalente a R$55, muitos venezuelanos optaram pela informalidade. Não há dados oficiais, mas aumenta a cada dia o número de ambulantes e de pessoas que vendem produtos on line.

Apatia política

Os protestos contra o governo, iniciados em 2014 e agravados em 2017 deixando um saldo de dezenas de mortos, deram lugar à apatia política na Venezuela.

"Há menos esperança para uma mudança do ponto de vista democrático. As pessoas não estão enfocadas em que haja uma mudança de governo, mas sim uma melhora nas condições de vida do dia a dia. É como dizer: vamos ver o que fazemos com o que temos. Soa paradoxal e um pouco conformista e apolitizado, mas a atitude das pessoas é de resolver a situação como for possível", explica Madeleine Facendo.

Uma pesquisa divulgada em novembro de 2021 pela plataforma Crise na Venezuela aponta que 42,9% dos jovens pesquisados ?? estão insatisfeitos com a democracia no país. Esses números são traduzidos no cotidiano com o desencanto e a apatia em relação à participação cidadã.

De acordo com a ACNUR, agência das Nações Unidas para Refugiados, existem cerca de 7,1 milhões de venezuelanos espalhados pelo mundo em condições de imigrantes ou refugiados.

Muitos saíram da Venezuela no período mais crítico, entre 2014 e 2018. A escolha do país de chegada, sempre que possível, se devia às condições oferecidas aos emigrantes.

Volta ao país

Questionados sobre a possibilidade de voltar de vez ao país natal, os entrevistados coincidem nas respostas.

"Na Venezuela, acredito que não poderia ter as mesmas condições que tenho lá (em Lima). O transporte é fluído, os sistemas básicos de saúde são completamente diferentes. É um país normal. Aqui na Venezuela vejo que ainda existe muita deficiência quanto ao transporte. Os serviços básicos aqui ainda são bastante deficientes. Claro, não como em 2017, mas ainda há muito a melhorar", diz Victoria. No Peru, país em que vive, apesar da crise política, a situação econômica é mais favorável que a da Venezuela. "O salário mínimo por lá é equivalente a U$269", diz.

A ENCOVI, pesquisa feita pela principal universidade venezuelana e divulgada em novembro passado, aponta que "a pobreza na Venezuela diminuiu no último ano, mas as desigualdades ficaram mais profundas".

Ao ver a "onda de otimismo", Madeleine cogitou voltar. Após uma breve análise, percebeu que "a Venezuela é um país onde não há muitas oportunidades para os jovens".

"Voltar quando já temos oportunidades estabelecidas lá fora, quando já fizemos o trabalho de nos adaptar a um lugar no exterior e onde finalmente fluiu bem ou se encontra muito mais oportunidades que poderia ter aqui, acho que (neste caso) a decisão de voltar não é fácil", explica. "Continuam existindo falhas grandes do ponto de vista de todos os aspectos que um Estado deveria oferecer aos seus cidadãos. Ainda há muitas coisas por resolver", completa.

Problemas persistem

Para Victoria, a situação atual do país é convidativa, mas não ao ponto de arrumar as malas para voltar. "Não existem as condições para tomar a decisão de voltar. Falta muito. Falta muito em relação ao país no qual eu cresci, ao país do qual saí e ao país que estou visitando agora", diz.

Yanine concorda com a conterrânea que vive em Lima. "A Venezuela está muito melhor que quando a deixei. Menos insegurança, claro que ainda há, mas bem menos (que antes). No meu estado (Portuguesa, no oeste venezuelano) há luz em todos os lugares, água, comida, viabilidade muito boa, coisas que não encontrávamos antes. Mas voltar à Venezuela? Agora não", diz a médica.