China enfrenta nova onda com crematórios lotados: 'Não há mais espaço'
Em 11 de janeiro de 2020, a China anunciava sua primeira morte por Covid-19 em Wuhan, na província Hubei: um homem de 61 anos. Três anos depois, o país enfrenta uma onda da variante Omicron sem precedentes, com crematórios lotados e profissionais sendo contratados às pressas para cuidar dos cadáveres. Mas o número oficial de mortos pela doença continua baixo, já que o governo chinês optou por não publicar estatísticas sobre o assunto.
As autoridades de saúde chinesas informaram nesta quarta-feira (11) que "não há necessidade" de insistir, por enquanto, no número preciso de mortes relacionadas à Covid, após críticas da OMS à imprecisão dos dados de Pequim.
"No momento, não acho necessário investigar a causa (da morte) para cada caso individual", disse o epidemiologista Liang Wannian.
"A principal tarefa durante a pandemia é tratar os pacientes", insistiu Liang, chefe do grupo de especialistas contra a Covid mobilizado pela Comissão Nacional de Saúde, que atua como um ministério.
A China poderá determinar o número de mortes observando o excesso de mortalidade após assa nova onda, sugeriu Wang Guiqiang, chefe do departamento de doenças infecciosas do Hospital nº1 da Universidade de Pequim, em coletiva de imprensa.
Segundo dados oficiais, apenas 37 mortes relacionadas à Covid foram registradas na China desde o mês passado, em uma população de 1,4 bilhão de habitantes.
Pequim também revisou sua metodologia para contabilizar as mortes por Covid em dezembro. Desde então, apenas as pessoas que morreram diretamente de insuficiência respiratória ligada ao coronavírus serão incluídas nas estatísticas.
"Se puder ser alcançado um consenso a nível global (sobre a classificação de uma morte por Covid), seria melhor. Se não for possível, então cada país fará uma classificação de acordo com a sua própria situação", alegou Liang Wannian.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) criticou esta nova definição chinesa de morte por Covid na semana passada, considerando-a "muito limitada".
Agências funerárias contratam extras
Muitas metrópoles chinesas relataram ter passado do pico de infecções, mas pacientes positivos em estado crítico continuam a lotar pronto-socorros e UTIs de hospitais e os crematórios estão saturados.
Algumas agências funerárias são obrigadas a recorrer a trabalhadores temporários. "Na verdade, está cheio!", disse à RFI um desses profissionais extras, que trabalhou por duas semanas em uma das maiores funerárias de Xangai.
"Não há mais espaço! Na funerária onde trabalhei, podemos preservar até 4.000 corpos. Mas a taxa de cremação não acompanha. Às vezes, chegam de 700 a 800 cadáveres em um único dia. No entanto, apenas 50 a 60 corpos podem ser cremados. São dez fornos no total. Eu era responsável por um deles. Uma fornalha pode queimar apenas 5 ou 6 cadáveres por dia. Portanto, você deve ser paciente e, às vezes, esperar 15 dias antes de uma vaga ficar disponível", explica.
"Um dos meus colegas ficou apenas meio dia", disse o agente funerário. "Ele não suportava o cheiro de corpos em decomposição. Os cadáveres ficam muito tempo na câmara fria e estão se decompondo. O cheiro é difícil de suportar. Você provavelmente já viu as imagens dessas pessoas mortas caídas no chão em hospitais. Também não há mais espaço lá. No auge da epidemia, ocorreriam de 60 a 70 mortes por dia em alguns hospitais", afirma.
Zonas rurais
Com a grande migração dos feriados do Ano Novo Lunar, em 22 de janeiro, a preocupação chegou também às zonas rurais do país. A mídia estatal chinesa afirma que os sistemas de saúde e o abastecimento rural de medicamentos foram fortalecidos. De acordo com a agência da Nova China, 23.000 instituições médicas de nível distrital, 35.000 hospitais municipais e 599.000 clínicas de aldeia formam "um sistema de proteção de saúde colaborativo e eficiente, para que os pacientes rurais possam desfrutar de serviços médicos em muitos níveis".
Isso, no entanto, não impediu que algumas aldeias fossem submersas pela maré de Covid, relata o canal de tevê Bloomberg. Uma situação ainda mais difícil para as famílias que enfrentam casos de morte por Covid, que se tornaram um tabu.
Xu perdeu a avó de 93 anos no início de dezembro de complicações de doenças anteriores, logo após pegar Covid. "Claro que você não pode dizer se é uma morte por Covid ou pneumonia viral, é impossível! Todos os hospitais recusam! Eles não lhe dão um atestado de óbito se você disser isso. É melhor evitar, sabendo que hoje é difícil encontrar um lugar para colocar os mortos. Conseguimos um lugar no porão de um hospital, porque a morte ocorreu no início de dezembro. Depois disso, teria sido difícil encontrar um lugar", diz Xu.
A Covid não é especificada nos atestados de óbito, por isso, as mortes nas estatísticas oficiais permanecem subestimadas.
Testagem
A OMS afirma que a Europa não deve se preocupar com a epidemia na China. Mas há apenas duas semanas, a organização se queixou da falta de transparência por parte das autoridades chinesas.
Em relação ao sequenciamento, segundo as autoridades de saúde, três hospitais em cada região e província são responsáveis ??por fazer leituras, testando seus pacientes positivos para construir o banco de dados, enquanto os rastreamentos massivos, como estavam acostumados os chineses, também foram excluídos.
"Na China, há um ou dois meses, cidades inteiras estavam sendo testadas para Covid por meio de PCRs quase diários", explica Been Cowling, epidemiologista da escola de saúde da Universidade pública de Hong Kong.
"Agora os exames acabaram. Mesmo no hospital, as pessoas com sintomas respiratórios graves não são testadas. Por isso não há muitas informações sobre o número de infecções. Mas não acho que seja uma questão de transparência. Não estão sonegando informações. Só que não fazem mais os testes. É uma pena porque a China tem capacidade para isso", diz.
De acordo com modelos matemáticos baseados principalmente na rapidez da contaminação, essa primeira onda epidêmica na China, que se seguiu ao abandono da política de Covid Zero em dezembro, pode representar entre 300.000 e 1,6 milhão de mortos no país.
(RFI e AFP)
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