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Seca na França: país deve desenvolver estratégias para garantir segurança hídrica e proteger agricultura

09/03/2023 10h32

Após ter passado pelo verão mais quente de sua história, em 2022, a França atravessa o inverno mais seco dos últimos 50 anos. O déficit de 30% de chuvas gera temores de que falte água no país no próximo verão. Na opinião de especialistas, com as mudanças climáticas, as secas devem se tornar mais frequentes nos próximos anos, com impacto importante na produção de alimentos.

Ana Carolina Peliz, da RFI

Por ser o país europeu com a maior produção agrícola, a França deve desenvolver estratégias para se adaptar à nova realidade e garantir sua segurança hídrica. A falta de chuvas levou o governo francês a decretar medidas de restrição do uso de água em algumas regiões e pedir aos franceses que reduzam seu consumo.

De acordo com especialistas da Météo France, o serviço meteorológico francês, a situação pode se tornar crítica se a primavera ? que começa em março no Hemisfério Norte ? e o verão forem secos e quentes como no ano passado. Para amenizar a falta de chuvas de fevereiro, que foi um mês especialmente seco, seria necessário que março tivesse o dobro de precipitações que o normal, o que não está previsto, informa a Météo France.

Com o volume dos rios muito abaixo do normal, o governo francês decidiu tomar medidas preventivas. O ministro francês da Transição Ecológica, Christophe Béchu, colocou 12 departamentos em alerta. Em seis deles, no sudeste do país (Ain, Bouches-du-Rhône, Pirineus Orientais, Var, Drôme e Ardèche), foram impostas restrições ao uso da água, com proibição de regar plantas, irrigar plantações, além de encher piscinas e lavar carros.

As medidas entram em vigor a partir desta sexta-feira (10), de maneira precoce, antes mesmo do fim do inverno.

Segurança hídrica 

"A questão é sobretudo de organização coletiva e lucidez", diz Sébastien Abis, diretor do Clube Demeter, que reúne empresas do setor agroalimentar e especialistas sobre temáticas do desenvolvimento sustentável, e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS).   

"Claro, a sobriedade é a palavra-chave hoje, porque a França, assim como a Europa, descobre a que ponto a mudança climática vai afetar nosso continente, nossos territórios. E a escassez hídrica é um tema que gera preocupações", afirma. 

Para ele é necessário ter lucidez e garantir que setores prioritários recebam a água de que necessitam. "Principalmente para produzir alimentos, porque os franceses se preocupam com sua segurança alimentar. Isso também quer dizer que temos que repensar o sistema de reserva de água para combater a escassez e, claro, temos que ter em mente a questão do reúso da água", continua o especialista, que sublinha que a "França terá que repensar sua insegurança hídrica". 

Abis lembra que atualmente a preocupação com a seca está voltada principalmente para a produção agrícola. 

Adaptação 

De acordo com o IPCC, o Grupo de Especialistas sobre o Clima da ONU, em seu relatório "Impactos, adaptação e vulnerabilidade", de 2022, o aumento da frequência e da intensidade de eventos meteorológicos extremos, como secas e ondas de calor, gerados pelas mudanças climáticas, terá forte impacto nas colheitas, degradando terras cultiváveis e dificultando também a pecuária. 

Estas alterações devem levar ao aumento do preço dos alimentos e colocar em risco a segurança alimentar, como lembra Sébastien Abis. "Nós vimos que no ano passado tivemos uma geada que fragilizou as colheitas. Esse ano temos o problema da [falta de] precipitações", lembra. "Então é necessário sensibilizar os franceses, a partir de agora, para o fato de que a segurança alimentar não é algo adquirido. E deve ser preservada. São necessárias técnicas, esforços coletivos, políticas públicas e, sobre o clima, uma enorme capacidade de previsão e adaptação", ele explica.

"Algumas culturas talvez não poderão ser plantadas amanhã na França, enquanto outras, poderemos plantar mais", compara. 

Para o especialista, a França teria que se inspirar em países vizinhos, como a Espanha e a Itália, mas também na África e no Oriente Médio, que sofrem há mais tempo de escassez de água e desenvolveram técnicas de adaptação, com inovações tecnológicas, mas também sócio-organizacionais e ecológicas. 

A revisão do modelo de agricultura poderia garantir uma maior segurança hídrica. De acordo com o IPCC, as práticas agroecológicas, como diversificação das culturas ou agricultura orgânica, permitiriam não somente uma maior retenção de água nos solos, mas também atenuariam as mudanças climáticas.