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Netanyahu congela temporariamente reforma judicial, mas protestos podem continuar

28/03/2023 05h40

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou na noite de segunda-feira (27) a decisão de congelar temporariamente a reforma judicial que seu governo anunciou em 4 de janeiro. Alegando "responsabilidade nacional" e para "evitar uma divisão na nação", ele decidiu suspender, por agora, a votação final da lei no Knesset, o Parlamento em Jerusalém, "a fim de tentar chegar a um amplo consenso".

A reforma era o carro-chefe do 6º governo liderado por Netanyahu, que retornou à cadeira de premiê em dezembro depois de 18 meses na oposição. Mas se tornou um tema extremamente polêmico, levando multidões quase diariamente às ruas em protestos contra a legislação e a previsões catastróficas sobre as consequências das medidas para o país.

Se aprovada, a legislação afetaria a imagem de Israel como a única democracia do Oriente Médio, levando à fuga de investidores. Haveria consequências também no relacionamento de Israel com países aliados.

Mas, acima de tudo, poderia afetar a segurança nacional. Isso porque reservistas do exército começaram a abandonar suas unidades militares - das quais são voluntários - afirmando que não serviriam em forças armadas de um país não democrático.

A gota d'água, no entanto, foi a demissão do ministro da Defesa, na noite de domingo (26). Gallant, um respeitado general da reserva, fez um discurso 24 horas antes alertando justamente sobre os perigos da reforma jurídica para a segurança nacional. Acabou sendo demitido e isso levou a protestos espontâneos que levaram mais de 600 mil israelenses às ruas, principalmente em Tel Aviv e em frente ao Parlamento, em Jerusalém

Sindicatos e empresários, numa rara união, também decretaram greve geral, afetando até mesmo o Aeroporto Internacional de Tel Aviv. Sem poder ignorar tudo isso, Netanyahu acabou decidindo, então, congelar a reforma.

Enfraquecer o Supremo

Em sua forma original, a reforma tinha como objetivo enfraquecer a Suprema Corte de Israel, que, para seus proponentes, teria poder demais diante dos outros poderes. A proposta inclui a possibilidade de o governo anular decisões do Supremo apenas com uma votação de maioria simples no Parlamento - ou seja, 61 dos 120 parlamentares. Isso daria à coalizão de Netanyahu o poder de aprovar quaisquer leis sem nenhuma oposição do Judiciário.

Outra cláusula garantiria ao governo maioria absoluta e automática na comissão que escolhe os juízes do país, incluindo os do Supremo. Para os manifestantes, isso seria um ataque contra as bases democráticas de Israel. Afinal, a Suprema Corte é, na prática, o único contrapeso ao governo, que controla o Executivo e o Legislativo.

Para muitos, a reforma teria só um objetivo, do ponto de vista de Netanyahu: blindá-lo contra uma possível condenação nos três processos aos quais responde, neste momento.

Reações à suspensão

O presidente de Israel, Isaac Herzog, disse que interromper a legislação "é a coisa certa" e afirmou que "este é o momento de iniciar uma conversa honesta, séria e responsável para acalmar as tensões".

O líder da Oposição, o ex-premiê Yair Lapid, e o ex-ministro da Defesa Benny Gantz, ambos de grandes partidos centristas, aceitaram se reunir com membros do governo sob moderação do presidente para redigir um texto que não conceda à atual coalizão de governo - a mais direitista, nacionalista e religiosa da História de Israel - controle sobre o Judiciário e afete a imagem de Israel como uma democracia.

Aliás, a oposição saiu dessa crise, até agora, como a grande vencedora. Segundo pesquisa de opinião do Canal 12, nada menos do que 63% dos israelenses foram contra a demissão do ministro da Defesa Yoav Galant, o que levou Netanyahu a seu maior índice de rejeição em mais de 15 anos como premiê. Só 25% dos israelenses aprovam o governo Netanyahu. A grande maioria, 68%, desaprovam.

Ainda segundo a pesquisa, caso as eleições fossem hoje, o partido de Netanyahu, o Likud, cairia drasticamente de 32 para 25 cadeiras no Parlamento. E isso três meses liderando o governo.

Tensões em alta

A decisão de Netanyahu talvez consiga evitar novas greves, mas pode não acabar totalmente com as manifestações de rua. Até porque Netanyahu, em seu pronunciamento, deixou claro que decidiu apenas suspender temporariamente a aprovação da reforma judicial.

Caso as negociações para amenizar o texto não levem a nada, ele pode colocar em votação o texto anterior logo após o recesso parlamentar que começa na semana que vem e termina em 30de abril, depois do Dia da Independência de Israel.

Fora isso, Netanyahu terá que apaziguar, agora, seus aliados de extrema direita. O polêmico ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, por exemplo, ameaçou deixar o governo por causa do congelamento da lei. Para convencê-lo a ficar, Netanyahu aceitou criar uma Guarda Nacional sob comando direto do ministro, que é um ultranacionalista abertamente hostil à população árabe de Israel e aos palestinos.

Há sinais de que as tensões internas em Israel ainda estão à flor da pele. Um exemplo já aconteceu na noite de ontem. Para mostrar lealdade a Netanyahu, membros da torcida organizada do time de futebol Beitar Jerusalém, conhecidos por suas posições reacionárias e racistas, entraram em confronto com manifestantes contra a reforma judicial em Jerusalém e Tel Aviv.