Sete anos depois, o legado olímpico Rio-2016 começa a sair do papel

Numa das regiões mais quentes do Rio de Janeiro, os moradores têm aproveitado os fins de semana no Parque construído para abrigar as provas de Canoagem Slalom dos Jogos Olímpicos Rio-2016, onde foi construído um lago artificial. O complexo erguido em Deodoro, na zona norte da cidade, para as competições de esportes radicais, foi transformado em área de lazer com piscina para a população. Durante a semana, serve como o único local de treinamento no país para a Seleção Brasileira de canoagem.  

Maria Paula Carvalho, da RFI 

Porém, um relatório da Comissão de Esportes da Câmara de Vereadores do Rio, apresentado em julho de 2021, mostrava que o Parque Radical de Deodoro?estava se degradando. A pista para a prática de BMX ficou em situação precária e faltavam funcionários para a manutenção. Eram os próprios ciclistas frequentadores do local que faziam mutirão para capinar a área.   

A euforia dos cariocas para sediar os Jogos Rio-2016 se baseava nas promessas de que eles trariam obras urbanísticas importantes de mobilidade urbana, conservação ambiental, segurança pública e melhoria dos espaços públicos para lazer e prática de esportes. Mas sete anos depois, alguns projetos do legado olímpico nunca saíram do papel.  

A desmontagem da Arena do Futuro e do Centro Aquático, que deveria ter ocorrido a partir de 2017, não foi feita, admite a prefeitura do Rio de Janeiro. A atual gestão informou à RFI Brasil que finalmente começou a desmontar esses espaços, conforme previsto no plano de legado da olimpíada.  

O material da Arena do Futuro está dando origem a quatro escolas, também na zona Oeste, a mais carente da cidade, enquanto os equipamentos do Complexo Aquático têm servido para erguer arquibancadas de clubes de futebol, além de outras utilizações.  

"O legado esportivo foi o menos impactante. O legado para a cidade foi maravilhoso. Eu acho que a gente tirou do papel projetos de 30 anos. A melhoria dos trens, BRTS, as vias públicas foram melhoradas, aeroporto, então a infraestrutura realmente melhorou muito", avalia o sub-secretário da Casa Civil do Estado do rio durante os Jogos, José Cândido Muricy. "O legado esportivo eu acho que a gente poderia ter aproveitado melhor, e aí entram aqueles famosos elefantes brancos que a gente viu acontecer. Temos dificuldade de operar alguns equipamentos ainda", admite. "Eu acho que os governantes poderiam refletir mais sobre o legado e continuarem a trabalhar juntos. Fica um compromisso mais de longo prazo para que as coisas que foram entregues tenham o melhor uso possível e se transformem, de alguma forma, em um bem perene para a sociedade como um todo", conclui. 

Depois de uma Copa do Mundo, em 2014, que resultou em vários estádios sem utilização no Brasil, a população temia pelo aproveitamento do legado dos Jogos Olímpicos Rio-2016.  

"Existe muita crítica em relação a algumas promessas que não foram cumpridas", analisa Ronaldo Helal, sociólogo e professor da UERJ. "Eu acho que a olimpíada em si, toda a expectativa antes, quando o Brasil conquistou o direito de sediar, foi tudo muito bacana. Agora, o que deixou depois é que não foi legal. O Parque Olímpico, essas coisas ficaram subutilizadas, ou não utilizadas", lamenta o coordenador do laboratório de estudos em Mídia e Esporte. "Sempre tem críticas de obras superfaturadas, de que esse dinheiro poderia ter sido gasto para a educação e a saúde, isso sempre teve, teve na Copa do Mundo e nos JO", completa. 

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Uma nova linha de metrô, a reurbanização da zona portuária, entre outras melhorias, estão na lista dos principais legados dos Jogos Olímpicos Rio-2016. O evento trouxe revitalizações importantes para a cidade que vinham sendo adiadas há décadas. 

"Em termos de legado, a gente conseguiu realizar a maior obra de infraestrutura urbana da América Latina [na época] que foi a linha 4 do metrô. Não há dúvida de que a linha que liga a zona Sul à zona Oeste do Rio de Janeiro não teria acontecido se não fossem as olimpíadas", analisa Leonardo Espíndola, que representava o Estado do Rio no Comitê Organizador dos Jogos. "Foi a maior linha metroviária e expansão metroviária que o Rio teve notícia, são 16 quilômetros, esse metrô hoje funciona perfeitamente pegando o morador da Barra da Tijuca e da favela da Rocinha, uma das maiores da América Latina", destaca.  

A?Estação Gávea, contudo, uma espécie de apêndice do novo trajeto, nunca foi acabada. 

A construção do?Boulevard Olímpico, espaço de ligação entre a Zona Portuária e o Centro da cidade, deu novos ares a uma região antes degradada, com a demolição do viaduto da Perimetral. Durante a Rio 2016, esse foi um ponto de encontro para torcedores e turistas. A região antes marcada pelo abandono, hoje faz parte do roteiro turístico e virou área de lazer da população, que além da bela vista da Baía de Guanabara têm a disposição museus, espaços para eventos, um aquário e uma roda gigante. "O centro está preparado para crescer e receber novos investimentos", diz Leonardo Espíndola.    

Porém, ele admite que a transição de poder no Rio de Janeiro não efetivou a realização completa do legado. "Infelizmente, depois de 2016 houve uma eleição para a prefeitura do Rio de Janeiro e o prefeito Marcelo Crivella não olhou com prioridade o legado olímpico. O Eduardo Paes volta a ser prefeito, agora em 202,1 e retoma esse legado olímpico. Essas escolas estão sendo instaladas hoje em Bangu. O parque aquático foi desmontado, o centro olímpico de tênis está sendo cedido à iniciativa privada", destaca. 

Após o projeto de revitalização do Porto ter ficado parado durante a gestão anterior (2017-2020), em 2021, as obras foram retomadas e somente uma incorporadora investiu R$ 2 bilhões para lançar 3.167 apartamentos na região, dos quais 2.800 já foram vendidos. A empresa calcula que 14 mil pessoas passarão a morar nesses empreendimentos.  

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Os ônibus articulados foram o?transporte mais utilizado durante a Rio 2016?e a maior aposta de mobilidade da Prefeitura do Rio. O?serviço funcionou bem durante as competições e nos primeiros anos?após os Jogos. Os corredores expressos faziam o transporte do público para as arenas e foi motivo de elogio. O modal, no entanto, vem se degradando ao longo dos anos.?  

A falta de agilidade para manter e tocar o projeto do legado olímpico é apontado como uma espécie de "calcanhar de Aquiles" da organização Rio-2016. "Agora que estamos começando a desmontar o que estava combinado no parque olímpico, eu acho que isso foi o calo da olimpíada, avalia Luiz Augusto Brum, gerente-geral do Maracanã. "E serve de conselho para Paris: planejar o pós-evento e executar", diz. "Eu daria uma nota 9. Foram Jogos sensacionais apesar de inúmeras dificuldades, mas eu tiro esse um pontinho porque eu acho que, no pós-jogos, a gente perdeu uma oportunidade, a gente deixou de fazer muita coisa que faz parte do legado e daria uma sequência interessante para o país e para a cidade", completa o executivo. 

Para Mário Andrada, houve um "problema no final dos Jogos de comunicação do legado, que não foi bem feita. As pessoas esperavam que os Jogos acabassem num domingo e na segunda-feira o legado estivesse disponível para a cidade", explica. "O parque Olímpico da Barra está bastante integrado no dia a dia da cidade, já tivemos vários eventos ali, o Rock in Rio usou uma parte do espaço", cita como um caso de sucesso.  

"As instalações do basquete estão sendo usadas. O legado está se materializando. O legado importante do Rio, que era o legado de transportes, com o BRT, foi bastante desprezado pela administração seguinte que assumiu a cidade e agora está sendo recuperado. O metrô vai até a Barra, o legado está aí e pouco a pouco está sendo usado como previsto. O único problema é que a incorporação dele na rotina da cidade foi muito lenta", conclui Andrada. 

Para o professor Orlando Santos, não é só um problema de ritmo, mas de prioridades. Em entrevista à RFI, ele critica o caso de famílias que foram removidas de suas casas, localizadas no circuito olímpico. "Pessoas que foram removidas para a periferia da cidade do Rio de Janeiro, distantes 30 ou 40 quilômetros de seu local de moradia, num processo de gentrificação e embranquecimento de algumas áreas, na Barra da tijuca, um lugar já elitizado, e no centro do Rio", destaca.

"Foi um projeto que seguiu a dinâmica de segregação que marca o desenvolvimento do Rio de Janeiro e que não contribuiu para um projeto de cidade mais justa", conclui. Para o acadêmico, "as olimpíadas também geraram a aprofundaram o sentimento de frustração. Essa promessa de uma cidade mais justa, melhor e mais humana não se realizou", completa. "E não à toa, é no Rio que nasce a maior força do movimento de extrema direita que leva [o presidente] Jair Bolsonaro ao poder, pois Bolsonaro é do Rio de Janeiro", finaliza.  

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