Tensão na tríplice fronteira diante de ameaça venezuelana para invadir Guiana

Enquanto o governo da Guiana aguarda ainda para esta semana uma reunião das Nações Unidas sobre as ameaças da Venezuela, o Brasil põe sua diplomacia a campo para evitar um conflito e manda recados a Nicolas Maduro, enviando para a fronteira soldados e alguns blindados.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Analistas ouvidos pela RFI afirmam que o momento é delicado e que vários possíveis cenários se apresentam, inclusive o de um recrudescimento armado na região. Ainda que fatores internos se mostrem como decisivos na postura de Nicolas Maduro, que não parece disposto a promover uma transição democrática no país, não dá para afirmar que suas iniciativas sejam apenas um blefe.

"Nós estamos falando de uma potência regional em termos militares, ainda mais se comparada com a Guiana. E, diante de um cerco, muitas vezes lideranças autocráticas, como é o caso de Nicolás Maduro, recorrem a conflitos para garantir uma coesão mínima interna que sustente esse projeto de poder. Chegar às vias de fato não está completamente descartado", disse à RFI a analista internacional Carolina Silva Pedroso, professora da Unifesp.

Alguns fatores explicam porque Maduro escolheu a disputa com a Guiana como ponto de vida hoje de seu governo:

- trata-se de uma área rica em minérios e petróleo, que historicamente foi alvo de disputa de venezuelanos e outras nações, sendo assim um tema que desperta o sentimento nacionalista no país. Por causa dessa riqueza, a Guiana tem conseguido apresentar crescimento econômico consistente e robustos nos últimos;

- várias empresas estrangeiras, inclusive americanas, têm se instalado ali devido à exploração petrolífera;

- a Venezuelana, na disputa global, ainda ecoa interesses de países como a Rússia;

- e a disputa com o país vizinho tira de foco o projeto de perpetuação de poder de Maduro. Diante da Guerra da Ucrânia, que reduziu o fornecimento de óleo e gás mundo afora, a Venezuela conseguiu retomar o comércio com alguns países de peso, mas sob condição de realizar ano que vem eleições democráticas.

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"Então existe interesse político mais imediato do governo Maduro de, por um lado, suscitar, ou ressuscitar esse sentimento nacionalista que une pessoas. É um dos poucos pontos em que os venezuelanos, de lados políticos opostos, concordam. Por outro lado, também desvia a atenção dessas questões ligadas ao desmantelamento da democracia no país", destacou Pedroso.

Outro especialista ouvido pela RFI, Thiago Vidal, da Prospectiva Public Affairs, afirma que o desgaste do poder de Maduro sobre as tropas também permeia os interesses dele nessas ameaças contra a Guiana.

"Primeiro, uma premissa de tentar recuperar apoio popular e também de Maduro tentar reverter a perda de apoio na própria cúpula militar venezuelana, que é chave para a manutenção do regime por várias razões, não só políticas, mas também econômicas. Então, na medida em que ele eventualmente consegue um apoio popular por meio de uma invasão, ele cria um pretexto e uma justificativa inclusive para mexer na cúpula das Forças Armadas", avalia Vidal.

"A outra questão, que vai além do regional, é a possibilidade de que esse conflito não tenha a ver só com interesses da Venezuela, mas seja algo impulsionado por outros países, o que nas relações internacionais é chamada 'proxy wars', guerra por procuração, que seria algo estimulado pela Rússia, por exemplo", complementou o analista.

Papel do Brasil

Não apenas por ser a principal economia da América do Sul e ter longa experiência diplomática em resolver os conflitos por via da negociação, mas por compartilhar fronteira com os dois países - Guiana e Venezuela-, o Brasil é considerado a principal força externa capaz de frear ímpetos mais bélicos por parte de Maduro.

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"A fronteira direta entre Guiana e Venezuelana é de floresta muito densa. Então o tipo de equipamento venezuelano, como tanques, não passaria por ali. E assim o caminho seria pelo Brasil. Não é à toa que o governo brasileiro tem feito um esforço para encontrar uma solução pacífica e, ao mesmo tempo, está deslocando forças militares à região. Ainda que não tenha certeza de que vai acontecer, mas só a ameaça de acontecer é algo que deve nos alertar", afirmou Carolina Pedroso.

A analista citou um momento em que os ânimos se acirraram na região há 16 anos, quando soldados colombianos entraram sem permissão no Equador atrás de integrantes das Farcs. "Essa situação quase descambou para um conflito armado, mas o Brasil foi muito eficiente, junto com outros países em colocar panos quentes e apaziguar as relações. Claro que naquele contexto a América do Sul estava mais articulada politicamente por meio da Unasul, a União de Nações Sul-Americanas, que hoje está enfraquecida por conta das idas e vindas. O Brasil chegou a sair da Unasul durante o governo Bolsonaro, a Colômbia também. Mas ainda há uma disposição para encontrar uma solução pacífica para essa controvérsia. Vai ser um desafio, não vai ser fácil".

A relação cordial das gestões petistas com o governo de Nicolas Maduro pode facilitar a mediação, mas também tem potencial de gerar desgaste ao governo Lula, principalmente se houver de fato alguma invasão venezuelana, destacou o analista Thiago Vidal:

"O presidente Lula sempre tentou se contrapor a essas objeções internacionais que são feitas à Venezuela e ao regime do Maduro, portanto, colocando-se como um parceiro, não ideológico talvez, não de condescendência com o regime, mas pelo menos de boas relações com o regime Maduro. E isso não só faz com que o Brasil se converta em natural mediador, mas também com que todas as críticas que sempre se fizeram ao Brasil como condescendente com o regime de Caracas venham à tona", frisou Vidal.

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