Senado argentino começa a votar "Lei Bases", prova de fogo ao futuro da economia e da governabilidade de Milei

O Senado argentino começa a votar nesta quarta-feira (12) a chamada "Lei Bases", a primeira do governo Milei, depois de seis meses de mandato. Se a legislação aprovada, será um sinal de que o presidente pode avançar com as reformas, apesar da sua minoria parlamentar. Se rejeitada, o governo enfrentará turbulências econômicas, deverá aumentar o aperto fiscal e pode ter a governabilidade ameaçada.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

A chamada "Lei Bases", um pacote de ferramentas básicas para desregulamentar o Estado e modernizar a economia, é crucial para os delineamentos econômicos, especialmente no seu pacote fiscal associado.

Se for aprovada, esta será a primeira vez que um novo governo fica mais de dois meses sem as suas ferramentas básicas para governar. Nunca nos últimos 40 anos de democracia na Argentina, um presidente ficou seis meses sem poder avançar com os seus planos de governo.

A primeira vitória legislativa de Milei será um sinal a ser exibido a investidores e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) de que pode avançar com reformas, apesar da sua minoria parlamentar.. A partir de quinta-feira (13), o governo Milei começa a negociar um novo plano econômico com a instituição com o objetivo de obter uma linha de crédito. A "Lei Bases", portanto, é crucial para o futuro da economia.

Sem essa legislação, o governo argentino deverá apertar ainda mais os cortes nos gastos públicos. O plano econômico fica comprometido porque não haverá nenhum investimento externo direto numa economia bloqueada por restrições no acesso à moeda estrangeira e no movimento de capitais.

Resultado incerto

A grande incógnita é quanto à acirrada disputa com a oposição. Os números são muito apertados, voto a voto. No total, são 72 senadores. São necessários, portanto, 37 votos para uma maioria simples. O governo garante ter 36 votos, um empate com a oposição.

A tendência é de uma aprovação em geral, mas com derrotas na votação de cada artigo em particular, levando o governo a ceder.

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A "Lei Bases" foi aprovada pela Câmara de Deputados em 30 abril. Durante os últimos 40 dias, o governo teve de ceder 45 modificações para que o Senado não a rejeitasse.

Porém, a disputa com a oposição continua acirrada, levantando a hipótese de que o desempate venha pelo voto da vice-presidente da República, Victoria Villarroel, também presidente do Senado.

Na votação em particular de cada artigo, é provável que a oposição imponha novas modificações. Por exemplo: das 41 empresas que o governo pretendia privatizar, a Câmara de Deputados só aprovou onze, em abril. As negociações com o Senado, já reduziram esse número para sete. É possível que sejam ainda retiradas outras três empresas: a companhia aérea Aerolíneas Argentinas, o Correio argentino e a Rádio e Televisão Nacional.

O pacote de leis desidratado da sua versão original tende a terminar a sessão ainda mais limitado. Daqueles 664 artigos iniciais com seis anexos em janeiro, restaram apenas 232 artigos com um único anexo em abril.

Resistência ao redor do Congresso

Apesar do brutal ajuste fiscal, Javier Milei mantém a sua imagem positiva em torno de 55%. Segundo a consultora Giacobbe & Asociados, essa imagem até cresceu: está agora em 58,7%.

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Uma maioria de 55,2% considera a "Lei Bases" "um bom pacote" e que o governo precisa das suas ferramentas básicas para governar. Os que veem a legislação como ruim para o país e consideram que o Senado deveria rejeitá-la somam 34,1%.

Do lado de fora do Congresso, organizações de esquerda e alguns sindicatos protestarão.

O debate começa no final da manhã desta quarta-feira. A votação em geral deve acontecer no meio da noite, pelo horário local. O debate em particular deve entrar pela madrugada. 

Se for aprovada, a lei ainda precisará voltar à Câmara de Deputados para ratificar as mudanças ou para manter o texto que saiu daquele plenário há 40 dias.

Na Câmara de Deputados, existe maioria folgada para essa ratificação. Portanto, o desafio do governo está mesmo na instância desta quarta-feira.

Nova fase do governo Milei

O governo Milei começou com o combate à inflação que ameaçava se tornar hiperinflação. Na quinta-feira (13), será divulgado o índice de maio, que deve ficar abaixo de 5%, resultado de um corte no déficit fiscal nunca antes visto no país.

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Essa fase de choque fiscal precisa de um plano econômico que inaugure uma nova etapa. O que começa a partir da aprovação da "Lei Bases" é uma nova fase no governo Milei, de menos de choque e com mais horizonte, com menos urgência e mais reformista.

"Em jogo, está um caminho mais plano ou um caminho mais sinuoso para a segunda parte do governo Milei, aquela que requer investimentos e uma acomodação institucional do Estado. Nessa nova fase, já com as ferramentas nas mãos de Milei, a opinião pública vai cobrar a solução dos problemas. À medida que Milei não resolver os problemas, pagará um custo político por isso", avalia à RFI o analista político, Jorge Giacobbe.

Segundo ele, nessa nova fase, diminuirá paulatinamente a tolerância social às dores provocadas pela recessão e o argumento oficial da herança recebida do governo anterior.

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