STF: Uso de maconha é questão de saúde pública, não de cadeia
Em deliberação corajosa, o Supremo Tribunal Federal conciliou-se com o bom senso. Por oito votos a três, decidiu descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Com isso, quem for flagrado com uma certa quantidade da droga para consumo próprio não poderá ser preso. Estará sujeito apenas a sanções administrativas —como medidas educativas, advertência e prestação de serviços à comunidade.
O veredicto do Supremo não se confunde com a legalização da maconha no Brasil. Antecipando-se às fake news, o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, fez questão de esclarecer: "Não estamos permitindo o uso em lugar nenhum".
É vedado o consumo em local público. Relator do processo, Gilmar Mendes ecoou Barroso: "Não se trata de um liberou geral".
Formou-se maioria também quanto à necessidade de fixação da quantidade de maconha que distinguirá o usuário de um traficante, esse, sim, sujeito a prisão e outras sanções penais.
Há uma divisão entre os ministros em relação à quantidade —de 25 a 60 gramas. A definição foi transferida para a sessão desta quarta-feira. Barroso sinalizou que os ministros devem evoluir para uma posição intermediária de 40 gramas.
A decisão tampouco pode ser confundida como intromissão do Supremo nas prerrogativas dos outros Poderes. Uma lei aprovada pelo Legislativo em 2006 já havia estabelecido que o usuário de drogas não se confunde com o traficante. Mas deputados e senadores se abstiveram de estabelecer critérios para diferenciar um do outro. Os parâmetros fixados pela Suprema Corte valerão até que o Congresso ou o Executivo esclareçam a questão.
Ao votar pela descriminalização do consumo, a ministra Cármen Lúcia foi ao ponto. Disse que a ausência de critérios "criou um espaço de arbítrio." Nesse vácuo, um usuário negro apanhado com pequena quantidade de maconha na periferia de grandes cidades é preso como traficante. Um jovem branco abordado pela polícia com a mesma quantidade num bairro chique é liberado como usuário.
Inconformado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, estrilou: "Eu discordo da decisão que sustenta o STF, já falei mais de uma vez a respeito desse tema. Eu considero que uma descriminalização só pode se dar através do processo legislativo. A discussão pode ser feita, mas há caminhos próprios para isso."
Pacheco é autor de proposta de emenda constitucional sobre o tema. Já aprovado pelo Senado, o texto está pendente de apreciação da Câmara. Limita-se a empurrar para dentro da Constituição o texto da lei aprovada em 2006. Novamente, o Legislativo se esquiva de definir critérios para diferenciar consumo de tráfico.
Quer dizer: Para exercitar a contrariedade em sua plenitude, Pacheco precisa trocar a valentia retórica por providências práticas que ornem com as atribuições constitucionais do cargo que ocupa.
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