STF descriminaliza porte de maconha sob bênçãos da Santa Hildegarda
No mundo ocidental calcula-se em mais de 30 milhões de consumidores lúdico-recreativos da erva canábica, conforme levantamento do Observatório da União Europeia.
O maior consumo da maconha ocorre nos Estados Unidos. Por lá, são 14 milhões de consumidores regulares de marijuana. E temos cerca de 70 milhões de experimentadores uma vez na vida, que, usado o jargão popular brasileiro, são aqueles que "já deram um tapa".
Como não existe consumo sem oferta, vale destacar o Marrocos com a posição de maior produtor e fornecedor da erva com o tetra-hidro-canabinol (princípio ativo da maconha) e dos seus derivados: resina de haxixe e óleo.
Atenção: o Marrocos é dependente econômico da maconha, ou melhor, tem o seu PIB (Produto Interno Bruto) afetado pelo mercado canábico.
'Victimless' e Apartheid
Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu ser inconstitucional a tipificação criminal proibitiva do uso lúdico-recreativo da maconha. Acertou em cheio, apesar de demorado para chegar ao resultado final.
Mais ainda, o STF está a construir jurisprudência de repercussão geral (vinculante) a estabelecer, por critério objetivo da quantidade da droga proibida portada, a fundamental distinção entre usuário e traficante. Na próxima sessão, o julgamento prosseguirá para tal fim.
A decisão do STF, como já se sabia, não terá o condão de encerrar a polêmica entre "proibicionistas" e "progressistas-humanistas".
Além das convenções proibicionistas das Nações Unidas, todas inspiradas na falida política norte-americana de guerra às drogas ("war on drugs"), as religiões e o moralismo continuam a condenar o uso de drogas, embora existam tolerâncias quanto ao tabaco e o álcool. Um exemplo: ainda não se trocou, no chamado rito católico da transubstanciação, o vinho pelo suco de uva.
Embora não termine com as polêmicas, a decisão do STF colocou constitucionalmente a questão da maconha, chamada de droga leve desde os anos 1970, no devido lugar, ou seja, descriminalizando.
Dois pontos merecem destaque e são irrespondíveis.
Consoante a doutrina jurídica de matriz norte-americana da "victimless", o usuário de drogas é vítima de si mesmo.
A droga, todos sabem, não faz bem à saúde física e mental. No momento, existe o sério e atual problema das drogas impuras: cocaína refinada com cimento branco e gasolina para baratear o custo e as faltas de éter e acetona. Drogas sintéticas de fundo de quintal, onde se mistura aquilo que vem à mão, causam overdose e danos neurológicos irreversíveis.
Da mesma forma de não se poder criminalizar a tentativa de suicídio, não é legítimo, constitucional e juridicamente, criminalizar o usuário de maconha. No caso da maconha, e o STF só se debruçou sobre ela, existe o direito constitucional fundamental à privacidade, à intimidade.
Tratando-se de questão de saúde pública, a legislação federal apenas poderia proibir como ilícito administrativo, jamais criminal. E isso deixou claro o STF, por sua maioria.
Por outro lado e para colocar pá de cal em espécie de jogo de azar, com usuários considerados traficantes e sendo colocados em regime prisional fechado, criou-se um apartheid.
No Brasil, e como noticiou a Folha de S.Paulo, brancos e pretos são tratados de formas diferentes, em situações semelhantes. Quando existe uma mesma lei e, na prática, ele é aplicada de maneira diferente, a constituir cidadãos de primeira e segunda classe, temos o apartheid. A respeito, existe convenção das Nações Unidas.
O apartheid: negros são traficantes e vão para a cadeia. Brancos, considerados usuários, ficam em liberdade.
Ao fixar critério objetivo para distinção entre usuários e traficantes, o STF, e é louvável, acaba com o apartheid. Mas, a definição sobre a quantidade está reservada para a próxima sessão da Corte.
A Bíblia
Para pensadores laicos progressistas, o proibicionismo e as religiões atrasaram no reconhecimento científico das propriedades terapêuticas da erva canábica.
Não bastasse, a Convenção Única sobre Entorpecentes de Nova York, de 1961 e em vigor a partir de janeiro de 1964, estabeleceu erradicar as plantas proibidas com propriedades psicoativas. Dentre elas, a maconha.
O prazo estabelecido na supracitada Convenção para erradicações foi de 25 anos. Felizmente, o prazo terminou em 1989 sem nenhuma ação colocada em prática.
Para se ter ideia, das 80 mil espécies de plantas catalogadas pelos botânicos, apenas 4.000 delas, a incluir o café, chá e tabaco, possuem propriedades psicoativas. Com a Convenção falida, temos vivas à papoula, à cannabis e à coca, todas com propriedades medicinais.
Diante desse quadro, chama a atenção um dos livros da Bíblia, mais especificamente o Eclesiástico. Nele está escrito ter "Deus feito crescer ervas com o poder de curar, que o homem sábio deve saber usar".
A Santa
Hildegarda de Bingen ficou célebre pelas suas visões e estados de êxtase. Era culta e observadora da natureza. Essa alemã da cidade de Bingen, próxima ao rio Reno, morreu no ano de 1179 e, como se diz em linguagem eclesiástica, logrou "conquistar a glória dos altares", ou seja, virou santa.
Ela escreveu sobre a maconha (hannf): "Sua semente é salutar e nutrir-se dela faz bem às pessoas saudáveis. É leve para o estômago. Diminui o mau humor e reforça os bons humores". Hildegarda não recomendava o uso quando a pessoa estivesse muito doente: " Se, ao invés, estiver um pouco doente, ela não lhe fará mal" .
Como reconhecem historiadores, Hildegarda de Bingen conhecia as propriedades terapêuticas, médicas e alimentares da maconha.
Ninguém, até hoje, estabeleceu correlação entre os seus êxtases, visões e o consumo da maconha.
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