Venezuela: Argentina lidera cerco de países vizinhos a Maduro que pressionam por uma definição do Brasil

A Argentina é o único país que abriga na sua embaixada em Caracas refugiados políticos, aliados da opositora Maria Corina Machado. Para proteger esse grupo, ameaçado pelo regime de Nicolás Maduro, a Argentina pediu a ajuda do Brasil.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Nicolás Maduro exigiu a retirada imediata de todos os diplomatas das embaixadas de Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai. "O governo da Venezuela decide retirar todo o pessoal diplomático dessas missões e, ao mesmo tempo, exige que esses governos retirem, de maneira imediata, os seus representantes no território venezuelano", avisou o chanceler venezuelano, Yván Gil, numa nota publicada pelas redes sociais.

O ministro de Nicolás Maduro justificou a decisão a partir do "mais firme repúdio às intromissões de um grupo de governos de direita, subordinados a Washington e comprometidos abertamente com os mais sórdidos postulados ideológicos do fascismo internacional". Ele incluiu na lista o Chile, um governo de esquerda em cuja coalizão está o Partido Comunista, aliado de Maduro.

Os países que terão os seus diplomatas expulsos de Caracas são alguns dos que questionaram o resultado das eleições presidenciais de domingo (28), quando o regime foi proclamado vencedor sem nenhuma prova dessa vitória. Esses países querem que o governo venezuelano comprove o resultado.

Assim, Nicolás Maduro antecipa um movimento que já se esboçava: o Peru já tinha chamado o seu embaixador em Caracas para consultas e o Panamá tinha anunciado que retirava o seu embaixador na Venezuela.

El Salvador também considerou que as eleições foram uma fraude, mas o país já tinha rompido relações diplomáticas com a Venezuela há quatro anos.

A ministra das Relações Exteriores da Argentina, Diana Mondino, contou que, até o final da noite de segunda-feira (29), não tinha recebido nenhuma comunicação oficial da Venezuela sobre a expulsão de diplomatas.

"Qual é a utilidade dessa decisão para o povo venezuelano? Nós procuraremos, dentro do possível, evitar romper relações, mas se eles quiserem isso, não teremos muitas opções. Essa forma grotesca de trair o seu próprio povo ao cometer essa fraude é o que vai afetar as relações diplomáticas que possam ter com vários países", disse Diana Mondino.

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América Latina dividida em três

A reeleição de Nicolás Maduro dividiu a região em três grupos de países. O primeiro é formado por países governados à direita que acusam o regime de fraude e que, por isso, não reconhecem o novo governo. Esse conjunto de países é liderado pela Argentina e inclui Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai. Os nove países querem a recontagem completa dos votos diante de observadores independentes.

O segundo grupo é o dos governados à esquerda e que querem ver os boletins de votação como prova da vitória de Nicolás Maduro. Esse grupo é liderado pelo Brasil e é formado ainda por Colômbia, México e Chile. Destes países, o presidente chileno, Gabriel Boric, é o que mais questiona os resultados do pleito e quer ver resultados que sejam verificáveis por observadores.

Por fim, em um terceiro grupo, estão países com governos autoritários e historicamente aliados incondicionais de Nicolás Maduro: Bolívia, Nicarágua, Honduras e Cuba proclamam a reeleição do presidente venezuelano sem questionamentos. Fora da região, esses aliados incluem o Irã, a Rússia e a China.

Doze países latino-americanos pediram uma reunião extraordinária da Organização dos Estados Americanos (OEA) para "emitir uma resolução que garanta a vontade popular das urnas". A reunião vai acontecer na quarta-feira (31), mas dificilmente terá consequências práticas porque a Venezuela não faz mais parte da OEA.

"Será uma reunião de emergência para discutir essa situação. A Venezuela saiu da OEA, mas precisamos esgotar todas as instâncias institucionais", explicou Diana Mondino.

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Argentina quer liderar a oposição

Ainda na noite de domingo, antes da divulgação do questionado resultado eleitoral, a Argentina foi o primeiro país a anunciar a vitória da oposição. Depois, tornou-se o primeiro país a denunciar a fraude de Nicolás Maduro e a afirmar que não reconheceria a vitória. Ao mesmo tempo, Buenos Aires coordenou um comunicado conjunto de oito países que não reconhecem o resultado das eleições presidenciais.

O presidente argentino, Javier Milei, definiu Nicolás Maduro como um "ditador" e o venezuelano classificou Milei como um "nazifascista". A Argentina tem a única embaixada estrangeira que abriga seis asilados políticos venezuelanos desde março. São pessoas ligadas à líder opositora Maria Corina Machado.

Até hoje, Maduro não permitiu um salvo-conduto para retirar esses seis refugiados em segurança. O temor é que o regime queira capturá-los. Diante da ameaça de uma invasão à embaixada da Argentina em Caracas, centenas de militantes da oposição venezuelana fizeram um cerco de proteção durante a noite de segunda-feira.

Através do embaixador brasileiro em Buenos Aires, Julio Bitelli, a chanceler argentina pediu ajuda ao Brasil como interlocutor diante do regime venezuelano. Em Caracas, o assessor especial do presidente Lula para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, pediu ao governo da Venezuela que não avançasse sobre a embaixada argentina.

"Se nos derem os salvo-condutos, com prazer nós nos retiraremos porque não somos bem-vindos no país e não temos por que estar lá. Mas precisamos garantir a segurança de todos os asilados", frisou Mondino.

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O silêncio de Lula

Dois presidentes na região até agora se mantiveram em silêncio: o presidente Lula e o da Colômbia, Gustavo Petro. Ambos demonstram uma proximidade ideológica com Nicolás Maduro.

A posição do Brasil é vista como a mais decisiva: Lula é apontado como quem mais poderia pressionar Nicolás Maduro. Por meio do embaixador do Brasil em Buenos Aires, a Argentina convidou o Brasil para fazer parte do grupo de países que exigem a recontagem completa dos votos com a presença de observadores independentes. O Brasil preferiu não se somar à lista desses oito países.

O ex-presidente argentino Mauricio Macri pediu publicamente que Lula se pronunciasse sobre a reeleição de Nicolás Maduro. Pelas redes sociais, Macri disse que, "apesar das diferenças ideológicas" com Lula, considera o presidente brasileiro "um democrata" e disse esperar que "Lula não continue calado".

"Os venezuelanos e muitos líderes da América Latina e do mundo esperam a sua palavra neste momento difícil", incitou Macri a Lula.

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