Analistas apontam instabilidade interna como um dos motivos para veto da entrada da Venezuela no Brics

O veto do Brasil à entrada da Venezuela no Brics não impediu o presidente Nicolás Maduro de ir à Rússia. Em Kazan, cidade onde acontece a XVI Cúpula do Brics, ele participou com a comitiva venezuelana de uma reunião com Vladimir Putin. O presidente russo teceu elogios à Venezuela, alentando um de seus principais sócios econômicos a não desistir de entrar no bloco. Analistas ouvidos pela RFI apontaram a instabilidade interna como um dos principais motivos para o veto.

Elianah Jorge, correspondente da RFI Brasil na Venezuela 

No entanto, nesta quarta-feira (23) em coletiva à imprensa, o chanceler brasileiro Mauro Vieira se esquivou da saia-justa após o Brasil barrar e entrada da Venezuela ao afirmar que a adesão do país bolivariano ao bloco depende da avalição e aceitação dos demais países que integram o Brics

Nesta quarta-feira aconteceu o encontro entre os presidentes da Rússia e o da Venezuela, em paralelo à 16ª Cúpula do Brics. O aperto de mãos entre Putin e Maduro foi caloroso. Após posarem para fotos, eles foram à sala de reunião onde estavam comitivas de ambas as delegações.

Os assuntos abordados giraram em torno de projetos nos setores de energia, farmacêutico, transporte, novas tecnologias e exploração espacial. Putin destacou que existem "excelentes relações de cooperação bancária e financeira baseadas no pagamento e cobrança da moeda nacional".

O presidente russo ressaltou que a existência de voos diretos entre ambos os países "contribui para o desenvolvimento dos laços humanitários, culturais, educacionais e científicos".

Putin ressaltou que "nossos amigos venezuelanos têm valores e princípios fundamentais semelhantes sobre os quais se baseia o trabalho do Brics: respeito pela soberania de cada Estado, escolha soberana dos povos e dos Estados, cooperação mútua vantajosa e honesta".

A Venezuela é um parceiro "antigo e confiável" da Rússia na América Latina e no mundo. "As relações de parceria estratégica dos nossos países estão se desenvolvendo e fortalecendo a cooperação mútua e vantajosa que ocorre em todos os setores", ressaltou Putin.

"Sei que os valores fundamentais sobre os quais se baseiam o Brics estão muito próximos dos nossos amigos venezuelanos", declarou Putin no início da reunião. Esta foi a forma que o russo encontrou para dissuadir o mal-estar gerado após o veto do Brasil à participação da Venezuela no bloco econômico. 

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Os atuais membros do Brics determinaram nesta terça-feira (22) a lista de países que poderiam aderir ao bloco. Argélia, Belarus, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã passam pela análise dos países-membros do Brics. Além do país comandado por Nicolás Maduro, a Nicarágua também ficou de fora da lista de possíveis novos sócios do Brics. 

São raras as vezes que o presidente Nicolás Maduro sai da Venezuela por risco de retaliações de países contrários a seu governo. Geralmente ele é representado pela vice-presidente Delcy Rodríguez, que havia chegado na última segunda-feira (21) à Rússia. A visita de Maduro foi considerada surpresa.    

Na rota do Brics

Durante o encontro com Vladimir Putin, Nicolás Maduro afirmou que a Venezuela está na rota do Brics. "No caminho do equilíbrio do mundo, e que tem o legado do ex-presidente Hugo Chávez (1954-2013) para construir um mundo multipolar e multicêntrico".

Maduro também garantiu que seu governo pratica o princípio do Brics por convicção. Ele afirmou que o Brics "são a esperança para os países do sul que aspiramos o desenvolvimento e que carregamos a bandeira da igualdade e da liberdade". 

Maduro aproveitou a cúpula para saudar os colegas Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia; Alexánder Lukashenko, presidente da Bielorrússia; Mahmoud Abbas, o presidente da Palestina; Abiy Ahmed Ali, o primeiro-ministro da Etiópia.

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O venezuelano também manifestou a intenção "de ter acesso a uma economia que não é gerida através de sanções", em referência aos bloqueios impostos por Estados Unidos e países europeus à Venezuela e a figuras do chavismo. 

Entrar no Brics seria a forma da Venezuela se esquivar destes bloqueios, abrir novas frentes de transações econômicas e buscar uma blindagem através dos sócios do bloco. 

Rússia e China são grandes aliados do governo venezuelano. Ambos reconheceram a vitória de Nicolás Maduro na questionada eleição presidencial na qual, até então, não foram mostradas as atas de votação de acordo com os parâmetros de uma votação transparente.

Nada a oferecer

De acordo com Jorge Piedrahita, analista político venezuelano, "este veto (do Brasil) é tremendamente significativo nesta situação, especialmente porque outros países podem ter tentado freá-lo. Em particular, a Rússia e a China, que não conseguiram convencer o Brasil, que tem uma grande importância no grupo. Isso mostra mais uma vez o profundo isolamento ao qual Maduro está se submetendo".

Para o analista de entorno Luis Peche, este "é um momento crítico (para Maduro) em todos os sentidos. Em termos de legitimidade, de popularidade e em diversas variáveis. Este é um novo retrocesso. A Venezuela não parece ser um parceiro com garantias confiáveis ao mundo ??para entrar no Brics. Há menos de dois meses houve um apagão nacional que paralisou o país. Também houve o fechamento de diversas vias aéreas que ligam a Venezuela ao resto do mundo. Há que entender o quão importante é isso para, digamos, ser um sócio confiável em termos comerciais. Há vários critérios que, neste momento, a Venezuela não cumpre em termos de estabilidade econômica, política e institucional. Isso deixa Maduro em uma posição de fraqueza frente ao mundo".

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O economista Hérmes Pérez concorda com Peche. Para ele "a Venezuela não tem muito para contribuir ao Brics em termos de estabilidade econômica, estabilidade política. Não tem uma moeda forte, não tem reservas internacionais importantes, não está crescendo a um ritmo importante, não tem tem um PIB significativo. Há um ruído interno da instabilidade econômica e política que pode ser transmitido aos países do Brics".

Brasil segue diretrizes  

Em coletiva de imprensa na Rússia, o chanceler brasileiro Mauro Vieira, ao ser questionado sobre a Venezuela, afirmou que as discussões dos últimos dias foram sobre os critérios e princípios que irão orientar as futuras ampliações do Brics. Vieira afirmou que neste momento dez países integram o bloco e que no futuro haverá outros países. Segundo ele, foram aprovados os princípios e critérios que guiarão esta ampliação e que os próximos países participantes deverão seguir estas diretrizes - sem, no entanto, descrever quais são.

Segundo o chanceler, haverá consultas para avaliar uma lista de novos países e então haverá consultas com cada um dos países-membro para então ser decidido quais serão os novos integrantes. "Tudo será feito em consenso e em consulta", frisou Vieira.

    

Mauro Vieira segue as diretrizes do assessor especial para a presidência do Brasil. Celso Amorim, no início desta semana, afirmou que não defende a entrada da Venezuela no Brics. "Acho que tem que ir devagar. Não adianta encher de países, senão daqui a pouco cria um novo G-77".  

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As divergências entre Brasil e Venezuela surgiram após a falta do cumprimento dos protocolos democráticos após a eleição presidencial de 28 de julho, quando o Conselho Nacional Eleitoral anunciou Nicolás Maduro vencedor.

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