População se revolta com corte de suprimentos para 'trabalhadores ilegais' escondidos em mina na África do Sul

Na África do Sul, o Tribunal Superior de Gauteng pede o fim do bloqueio policial em torno da mina ilegal de Stilfontein, onde centenas de mineiros ilegais estão presos. Há uma semana, a polícia vem bloqueando seus suprimentos para forçá-los a sair e prendê-los. Essa ação faz parte da operação Val'Umgodi contra a mineração ilegal no país. Mas, para as comunidades locais, esses jovens mineiros têm corrido para as minas porque não têm outra forma de ganhar a vida.

 

Centenas de mineiros ilegais (os "zama zama ", como eles são conhecidos na África do Sul) ainda estão escondidos no fundo da mina de ouro desativada de Stilfontein, a 150 quilômetros de Johanesburgo. A polícia cerca o local há mais de 15 dias para forçá-los a sair. O fornecimento de alimentos chegou a ser cortado. A exploração ilegal de recursos de mineração é um fenômeno generalizado no país.

"Sem essa mina, não poderíamos comer", confidenciam os habitantes do local, como Priscilla, cujo marido trabalha na mina. "A economia não está muito boa aqui. As pessoas estão passando fome", disse a sul-africana à RFI, cujo marido reapareceu recentemente e foi preso.

"Não é nem mesmo uma mina em funcionamento. Ela está em desuso e ninguém colocou uma placa de 'proibido entrar' quando as empresas foram embora. Agora essas pessoas vão para lá porque não há trabalho em nossa cidade. Se oferecêssemos trabalho a todos os nossos jovens, não estaríamos aqui hoje lutando pelas pessoas presas no subsolo", avalia. 

Para as comunidades locais, a alta taxa de desemprego na região, superior a 30%, é responsável por essa situação. Especialmente em Stilfontein, uma antiga cidade mineradora onde muitas famílias viviam das minas quando elas estavam abertas.

"Meu pai trabalhou a vida toda em uma mina na cidade vizinha. Até 1998. E agora os mineiros daqui são chamados de 'criminosos'. Mas eles não roubam nada, um criminoso é alguém que rouba, que invade a casa de alguém e rouba coisas. Esses minerais não pertencem a ninguém. E essas pessoas estão se arriscando nesta mina para ganhar a vida, então por que estão sendo presas?", questiona um morador, que prefere continuar anônimo.

Na África do Sul, estima-se que existam cerca de 6.000 minas abandonadas. 

Fenômeno estourou com fim do apartheid e boom da mineração

"É um fenômeno que estourou", avalia Claude Baissac, diretor da empresa de análise de risco geopolítico e nacional Eunomix à RFI. "Literalmente, diríamos que explodiu em três estágios históricos, o primeiro é obviamente o fim do apartheid, com uma mudança fundamental na estrutura da polícia, nas forças policiais e em sua maneira de lidar com os problemas de ilegalidade da comunidade", diz.

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"O segundo estágio foi por volta de 2010, 2012, quando houve uma série de reestruturações, fechamento de minas e assim por diante, que se seguiu ao fim do boom da mineração nos anos 2000 e, em seguida, o terceiro período importante, que foi a pandemia, que teve efeitos socioeconômicos devastadores e levou as comunidades ou os ex-mineiros, que eram os ex-funcionários das minas, a serem despedidos", diz Baissac.

"Estima-se que três quartos das pessoas afetadas sejam estrangeiros da região, principalmente de Moçambique, Zimbábue e Lesoto. No entanto, é difícil distinguir entre estrangeiros e ex-trabalhadores. Historicamente, o setor de mineração sul-africano sempre foi um grande empregador de trabalhadores imigrantes de países vizinhos", lembra o analista. 

"Tanto é que um idioma específico, chamado fanagalo, foi desenvolvido. Esse é um tipo de linguajar que vem sendo usado há décadas nas minas para facilitar a comunicação entre trabalhadores de diferentes origens", diz Baissac. "O principal problema é que esse fenômeno explodiu nos últimos anos, representando uma ameaça considerável para as comunidades afetadas. Em termos de segurança, é um grande risco, mas também representa uma ameaça econômica para as empresas de mineração que operam nessas regiões", analisa.

"Esses complexos não são simplesmente minas isoladas; são vastas estruturas interconectadas, às vezes estendendo-se por centenas ou até milhares de quilômetros de tubulações subterrâneas, em profundidades de até 2 km", explica Baissac. 

Segundo o especialista, o fenômeno também gera uma perda fiscal significativa para o estado sul-africano, estimada em cerca de 7 bilhões de rands por ano, o equivalente a cerca de € 500 milhões. "Essa situação é ainda mais crítica, uma vez que a África do Sul continua sendo a maior detentora de recursos de ouro do mundo. Somente nessa mina em particular, estima-se que até € 30 bilhões de euros", avalia Baissac.

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