Diálogo com Krajcberg: plantas na Mata Atlântica viram pigmentos em obras expostas por brasileira em Paris
"Torna-te aquilo que és" é o título do trabalho da brasileira Daniela Busarello, convidada para integrar a mostra "O grito pelo planeta" ("Le cri pour la planète", no original em francês), uma homenagem ao escultor e fotógrafo polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg (1921-2017), fervoroso defensor do meio ambiente. A artista recolheu amostras da Mata Atlântica e as reutilizou, através de um processo medieval de depuração, criando 170 pigmentos em óleo sobre gaze.
Conhecida por um trabalho que usa frequentemente matérias-primas naturais para constituir suas obras, Daniella Busarello adotou o mesmo método para criar esse diálogo com as criações de Frans Krajcberg. "Ele colhia plantas, troncos, folhas, cascas, no mar, na praia. Recolhia o que encontrava. As plantas que eu colhi no meu caminho estavam ao lado da casa dos meus pais", compara. "É o lugar onde eu caminho hoje, onde eu caminhava na minha infância, ou seja, como o Krajcberg, [o que interessa] é o que está à mão. A natureza está ao nosso lado, ela não está lá longe, ela não é essa coisa intocável", argumenta a artista.
Segundo ela, "Torna-te aquilo que és" não é uma pintura, e sim "uma entidade, que está viva. Essas plantas estão falando com a gente. E ela tem 1m40 por 2m80 de altura e está numa posição vertical, exposta em uma placa de vidro, é como se ela estivesse de pé", ressalta. "Ela não está pendurada, ela tem um corpo, mesmo que esse corpo seja invisível, que é esse vidro, e isso a torna um símbolo realmente de cura", diz.
Técnica medieval
"Eu escolhi essa pintura, que é mais do que uma simples obra de arte, porque ela envolve todo um processo de reflexão e também de manufatura, por assim dizer", explica a artista. "Eu coletei entre 50 e 60 plantas da floresta amazônica nas calçadas de Curitiba, cidade onde nasci, que tem cerca de 3 milhões de habitantes e, atualmente, conta com apenas 1% da Mata Atlântica original. Apesar disso, é considerada a cidade ecológica do Brasil. Isso já é, por si só, uma provocação, e tem tudo a ver com as provocações do Krajcberg", contextualiza Busarello.
"Eu também quero mostrar que a Mata Atlântica não é apenas aquela que está intacta e maravilhosa. Ela é a mata que está ao nosso lado todos os dias, até mesmo na nossa calçada. Por isso, escolhi essas plantas e fotografei cada uma delas ? tanto a árvore ou arbusto quanto todo o processo de transformação. Transformar a planta em pó, em pigmento, é um processo medieval", lembra.
"A técnica que eu utilizo é a mesma dos antigos pintores, que faziam suas próprias tintas a partir dos pigmentos. Foi dessa forma que desenvolvi a minha pintura", conta. "Depois de transformar a planta, que é 90% composta por água, em pó, eu reidrato com os ingredientes necessários, misturo com cera de abelha e aplico. A gaze, embora pareça um material frágil, tem a função de um curativo. Ela é algo que envolve, é macia, delicada. Mas, ao mesmo tempo, carrega uma força por trás", destaca a pintora.
Propriedades medicinais
Ela detalhou a escolha das plantas catalogadas. "Cerca de 99% das plantas que colhi têm propriedades medicinais. Não foi de propósito, eu fui em cada uma querendo saber quem é que eu estava escolhendo, dissecando. Algumas têm toda uma ligação com o ciclo econômico do meu estado, o Paraná, como a erva-mate, que foi muito influente em tudo que aconteceu até hoje. Além do Pau-Brasil, que é uma espécie protegida e é o nosso nome também", diz a artista.
"Esta é a segunda vez que estou exibindo essa pintura aqui [na França]. A primeira vez foi em uma abadia, e também foi uma experiência maravilhosa, mas com um tipo de apresentação diferente. Acho isso interessante, porque na outra ocasião, eu apresentei todos os 170 pigmentos utilizados na obra, e a instalação em si era diferente. Já aqui, trouxe a pintura junto com os nomes das plantas, pois cada planta não representa apenas seu nome, mas também suas propriedades medicinais", sublinha.
Mata Atlântica
Ela explica a escolha da Mata Atlântica como base de pigmentos. "O mundo fala muito da Amazônia, mas quem não é brasileiro raramente menciona a Mata Atlântica. Sempre preciso explicar sobre ela. A razão é que, embora exista a mata propriamente dita, a maior parte da Mata Atlântica está em áreas urbanas", diz a artista.
"Acho que hoje restam menos de 20% dessa vegetação original, e, a cada vez que falo sobre isso, percebo que o número é ainda menor do que eu imaginava. É importante divulgar a existência dessa mata, para que as pessoas se conscientizem de que ela está presente em nosso cotidiano. E o que eu considero maravilhoso é justamente o fato de ser uma mata urbana. Isso nos chama a atenção para o fato de que é no nosso dia a dia que devemos prestar atenção à natureza que nos cerca", afirma.
A primeira parte da exposição "O grito pelo planeta" fica em cartaz no Espaço Krajcberg, em Paris, até o dia 15 de maio de 2025.
Krajcberg
Frans Krajcberg (1921-2017) foi um artista plástico, escultor e fotógrafo de origem polonesa, naturalizado brasileiro. Sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, ele se estabeleceu no Brasil na década de 1950 e se tornou um grande defensor do meio ambiente. Sua obra é profundamente marcada por seu engajamento ecológico e ele costumava utilizar materiais naturais, especialmente troncos de árvores carbonizados provenientes do desmatamento na Amazônia, para denunciar a destruição da natureza. Suas esculturas, muitas vezes imponentes e tortuosas, expressam uma revolta contra o desmatamento e os incêndios criminosos.
Além do seu trabalho artístico, Krajcberg militou ativamente pela preservação da floresta amazônica, colaborando com movimentos ambientalistas. Ele viveu grande parte de sua vida em uma casa-ateliê no coração da floresta brasileira, em Nova Viçosa (Bahia). Sua arte, na interseção entre a land art e a arte engajada, permanece como um testemunho poderoso da luta pela proteção do meio ambiente.
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