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Análise: A verdadeira missão de Putin na Síria não está em solo sírio

Mikhail Klimentyev/RIA-Novosti, Kremlin Pool Photo via AP
Imagem: Mikhail Klimentyev/RIA-Novosti, Kremlin Pool Photo via AP

Anne Applebaum

01/10/2015 06h00

É sempre tentador, ao escrever sobre o presidente russo, cair num lugar comum geopolítico. Embora a Guerra Fria tenha terminado há um quarto de século, ainda estamos acostumados a pensar em Vladimir Putin como uma influência global, um representante dos eternos interesses russos, o herdeiro do czarismo, de Lenin e Stálin, um homem que habita um mundo de Henry Kissinger, de potências que competem com outras potências para controlar território, todas elas numa partida gigantesca de War.

Para aqueles que estiverem usando esse conjunto específico de lentes cor-de-rosa, a incursão recente de Putin na Síria faz um certo tipo de sentido. Sua decisão surpreendentemente bem-cronometrada –pouco antes da sessão da Assembleia Geral da ONU– de enviar centenas de soldados russos, 28 jatos de guerra, helicópteros, tanques e artilharia foi descrita por muitos como uma tentativa de reentrar no grande jogo moderno do Oriente Médio para estender a influência russa até o Mediterrâneo, escorar o governo iraniano, e deslocar os Estados Unidos como líder regional.

Tudo isso ignora o ponto principal. A entrada de Putin na Síria, como quase tudo que ele faz, faz parte de sua própria tentativa de permanecer no poder. Durante os primeiros dez anos em que foi presidente, a legitimidade de Putin era, na prática, a seguinte: posso não ser um democrata, mas ofereço estabilidade, aumento do crescimento econômico, e pensões pagas sem atraso. Numa época de queda nos preços do petróleo e sanções econômicas, sem mencionar a vasta corrupção no setor público, este argumento não funciona mais. Os russos estão comprovadamente mais pobres este ano do que no ano passado, e as coisas parecem prestes a piorar. E assim seu novo argumento é, na prática, o seguinte: "posso não ser um democrata e a economia pode estar afundando, mas a Rússia está recuperando seu lugar no mundo, e, além disso, a alternativa ao autoritarismo não é democracia, mas sim o caos."

De fato, Putin não tem força militar suficiente para projetar uma influência genuína no Oriente Médio. Ele não conseguirá aumentar suas forças furtivamente, como fez na Ucrânia. Ele tampouco ganha qualquer coisa de importância material ou estratégica com sua aliança com o sitiado ditador sírio Bashar al-Assad. Mas ele conservará uma aparência de influência, e isso é tudo que importa. Isso certamente poderia ser útil no exterior: junto com sua aparição na ONU pela primeira vez em uma década e sua longa entrevista com Charlie Rose, isso poderia –e provavelmente vai– nos ajudar a desviar a atenção europeia e norte-americana para longe do desastre humanitário que ele criou no leste da Ucrânia, e ajudar a retirar as sanções que estão derrubando a economia russa e atingindo os bolsos de alguns de seus amigos mais próximos.

Mas a aparência de influência é ainda mais útil na Rússia. Você e eu poderíamos supor que a perspectiva de uma revolução de rua na Rússia é algo muito distante, mas Putin, tendo assistido ao que aconteceu na Alemanha Oriental em 1989 do seu escritório da KGB em Dresden, e depois observado o que aconteceu com Muammar Gadaffi em 2011, claramente se preocupa com isso com frequência. Para evitar esse destino, a televisão controlada pelo Estado fala constantemente sobre a ineficiência da Europa e a corrupção dos EUA –só para o caso de alguns russos serem tentados pela sedução da democracia– bem como sobre o caos total que as políticas de ambos ajudaram a fomentar na Síria.

A chegada das tropas russas, algumas vindas diretamente da fronteira com a Ucrânia, tem o objetivo de reforçar esta mensagem: Putin está pronto para ajudar outro ditador a restabelecer a ditadura, reafirmar o controle, e prender todos os seus inimigos, na Síria e, se necessário, também na Rússia.

Não é isso que ele vai dizer. Putin disse a Charlie Rose que Assad deve negociar com a "oposição racional", que "só o povo sírio tem o direito de decidir" quem deve governá-lo. Mas Assad já assassinou boa parte do que era essa oposição racional, muitas vezes usando armas russas. E o "povo sírio" não tem muita escolha sobre quem vende armas a Assad, quem arma o Estado Islâmico e quem alimenta o conflito em seu país.

Claro, o povo sírio não é realmente o ponto aqui –e o povo russo tampouco. A invasão de Putin na Ucrânia tem sido ruim para seus compatriotas e ruim para seu país –para sua economia, sua imagem, sua influência– e uma tragédia para a Ucrânia. Esperem o mesmo tipo de resultado dessa incursão na Síria também.