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Tortilhas, bebês e votos

Jorge Ramos

01/12/2013 00h01

Durante muito tempo fomos invisíveis. Estávamos lá, mas os outros nos tratavam como se não existíssemos. Não éramos tantos quanto hoje, nem fazíamos tanto barulho, nem tínhamos tanto poder.

Mas as coisas mudaram para os latinos nos EUA. Durante muito tempo nos descreveram como o gigante adormecido. Mas agora esse gigante despertou e está andando.

Quando cheguei aos EUA, em 1983, éramos só 15 milhões de hispânicos; hoje somos mais de 55 milhões e, segundo as projeções, em 35 anos seremos 150 milhões. Não somos mais invisíveis.

Em todo lado se nota nossa presença. Até na mesa. Pela primeira vez na história dos EUA, os supermercados venderam mais tortilhas que pães para hambúrguer. A cada ano os americanos gastam mais em tortilhas (cerca de US$ 2,9 bilhões, segundo a empresa Packaged Facts) do que em outros tipos de pães (US$ 2,1 bilhões). São muitas tortilhas. Os EUA adotaram rapidamente como suas as tradições culinárias dos imigrantes latino-americanos.

O mesmo acontece com os nomes. Entre os mais populares hoje nos EUA estão José, Sofia e Camila. Estamos mudando o nome dos americanos. "O hispânico está na moda", disse à BBC a editora de um site da Internet chamado www.BellyBaby.com, dedicado a nomes de bebês. "Cada vez mais casais não hispânicos escolhem nomes latinos para seus bebês. A tendência continua crescendo e continuará em 2014."

Essa tendência se repete também nos esportes - alguns dos jogadores de beisebol mais famosos e ricos dos EUA são latinos - na música e na política. Em 2012, cerca de 11 milhões de leitores latinos ajudaram na reeleição do presidente Barack Obama (que obteve 71% do voto hispânico), e calcula-se que em 2016 16 milhões de hispânicos serão determinantes na eleição de um novo presidente.

Por isso é incompreensível o suicídio político que cometeu (o próprio e o de seu partido) o presidente da Câmara dos Deputados, o republicano John Boehner. Ao se negar a debater uma proposta migratória este ano, ganhou o repúdio e a frustração de milhões de eleitores latinos. Boehner e seu partido são os culpados pelo fato de a maioria dos 11 milhões de sem documentos não terem sido legalizados em 2013. E, a menos que corrijam isso no início de 2014, os eleitores hispânicos cobrarão a conta dos republicanos nas eleições presidenciais de 2016.

É uma cegueira política inexplicável não entender que a reforma migratória é um assunto pessoal para milhões de hispânicos e que o Partido Republicano pagará um preço político muito alto se insistir em arquivar esse assunto. Se os republicanos perderem a Casa Branca outra vez em 2016, será preciso apontar a decisão de Boehner como a causa dessa derrota. Obama e os democratas foram os culpados de a reforma ter-se estancado antes de 2012. Mas agora a culpa passou para os republicanos.

Os EUA estão se latinizando, não resta a menor dúvida. E quem não se adaptar a essa nova realidade ficará relegado, tanto nos supermercados como nas eleições. A milionária venda de tortilhas, os novos nomes dos bebês e o crescente poder político hispânico refletem uma mudança demográfica drástica nos EUA. Significa que o que antes era marginal e minoritário pouco a pouco está se transformando na corrente dominante.

Um exemplo avassalador: sete em cada dez estudantes do distrito escolar de Los Angeles são latinos. Muitas dessas crianças têm nomes hispânicos, comem tortilhas em casa e serão um formidável poder político nas urnas quando completarem 18 anos de idade.

É claro que nunca votarão em um partido que, quando pôde legalizar seus pais, decidiu não o fazer. Como dizem os cubanos, há coisas que caem da mata [algo evidente], e essa é uma delas.
Estão avisados.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves